domingo, 27 de setembro de 2015

SOY LOCO POR TI, AMÉRICA!


EXPEDIÇÃO LA PAZ / Jeferson Rossi Furtado

SOY LOCO POR TI, AMÉRICA!




Ciclista. Escultor. Ele não define qual a virtude que prevalece. Como escultor suas obras se destacam pela criatividade e pelo aproveitamento de sucatas que dão forma à obra, dom que descobriu há cerca de 20 anos. No ciclismo já empreendeu inúmeras viagens e já conta com uma milhagem considerável.

Jeferson Rossi Furtado tem 48 anos e muitas histórias para contar.

Aos 14 anos pedalou até as Ruínas de São Miguel, esporte que descobriu cedo em inúmeras participações em campeonatos de bicicross. Retornou agora a pouco de roteiro até a Bolívia. São 2.800 km. Vinte e três dias na estrada com a bike. Entre as pedaladas até as Ruínas de São Miguel quando garoto e o projeto de ir até a Bolívia são extremos que dispenderam preparo físico, persistência e muitas reflexões.

Já pedalou até Montevidéo (Uruguai); São Pedro de Atacama (Chile); Buenos Aires (Argentina) através da costa uruguaia; e, até Valparaíso, na costa do Pacífico, Chile. Ele conta que na estrada os motoristas, geralmente, respeitam os ciclistas. No entanto, os motoristas brasileiros são conhecidos pela falta de educação e respeito aos atletas estradeiros.

- A bicicleta vai equipada com tudo que é preciso para enfrentar um desafio desses. Comida, água, roupas e ferramentas, caso sejam necessárias. Para dormir, uma pequena barraca, algum hotel ou pousada que esteja no roteiro - detalha.

16 de maio de 2015 é data do início de mais uma viagem de bicicleta pela América Latina.

Destino: LA PAZ/ Bolívia.


O INÍCIO





A expedição começa com chuva. Muita chuva até Possadas. Pela frente ainda, além da Argentina, Paraguai e Bolívia. A meta.

Passa por Encarnacion, Assuncion (capital), e outras cidades paraguaias. Chega à Bolívia, passando por Tarija, Potosi, Oruro, entre outras. Vinte e três dias. 2.800 km acima do mar. Desafio físico e mental. Até Possadas, Furtado teve a companhia de Jaime Kaefer. Daí em diante, segue sozinho. São 200 km até a fronteira com o Paraguai. Atravessa a ponte e vai adiante.

Em Encarnacion é hora de fazer câmbio de moedas. Do real para peso argentino. Para o guarani paraguaio. Para o peso boliviano. Dólar. “Haja dinheiro!” – reclama.

Tem o câmbio do tempo também. O fuso horário. Há uma diferença de uma hora no Paraguai e na Bolívia em relação ao Brasil.

Vamos pedalar! As longas, retas e planas estradas do Paraguai estimulam o ciclista a pedalar até 220 km em um dia. Com carga de 50 kg. 






- Conheci Asunción. Bela cidade às margens do Rio Paraguai. Povo paraguaio é gentil e receptivo, me sentia tranquilo, mesmo longe de casa. Voltou a chover e senti novamente, o calor do chaco paraguaio. Já havia pedalado no chaco argentino no verão, aonde a temperatura do asfalto chega a 50 graus. 

O Chaco é uma região semi-árida, muito quente, com baixa umidade e uma densidade populacional muito baixa.

As estradas paraguaias são perfeitas, exceto 120 km de muitas crateras onde levei 12 horas para cruzar, onde, normalmente, levaria 6 horas. A Trans Chaco é desafiadora: retas infinitas, poucos recursos ou quase nada. Água é difícil encontrar. Dizem,”se tiver água no chaco, tu tem tudo”.

Fato curioso ocorreu no Chaco quando, de repente, se viu envolvido numa nuvem de gafanhotos. “Parecia filme de ficção”. O fenômeno chegou a fazer sombra num dia ensolarado e quente, por cerca de 2 km, tal era a quantidade de gafanhotos. Foi uma mistura de espanto, medo e admiração de algo desconhecido – relata o viajante.

Chegou a um quartel do exército paraguaio onde pernoitou. Constatou que lá existe uma enorme pista de pouso que está sendo construída. As pessoas especulam muito sobre a obra. Comentam que pode ser uma base estratégica americana.


BOLÍVIA






Depois na Bolívia, logo no início, percorre uma reta de 50 km, estrada plana. Furtado destaca que as estradas do Chile, Bolívia, Argentina, Uruguai e Paraguai são excelentes, com asfalto de qualidade, poucas curvas. Irônico, diz “estranhar” porque as construtoras são... brasileiras!

Percorre mais de 200 km em estradas de chão, pela selva, montanhas.

- Foi difícil! Chuva, nevoeiro, barro, penhascos, abismos, mas valeu a pena ter conseguido transpor aquele trajeto. Lugares lindíssimos, nunca havia visto lugares tão fascinantes! Natureza exuberante!

As subidas fortes com até 35 km foram constantes em todo percurso. Chegou a 4.000 m de altitude. Falta ar, principalmente nas longas subidas. A respiração fica ofegante. Calor nas subidas e o frio nas descidas. Um desafio.

Problemas mecânicos na bike só ocorreu uma vez. Pneu furado. A valente bike é uma GT modelo All Terra, que está com 86 mil km.


LA PAZ

Ele conta que a capital La Paz é diferente de tudo! Tem um trânsito super caótico, “mas eles se entendem”, ri. Descreve a capital boliviana de uma beleza ímpar, principalmente à noite, quando a cidade desvela um brilho sobre sua superfície que parece ouro e prata, com a silhueta de um vulcão nevado, ao fundo.

Quatro dias em La Paz. Andou de teleférico. Conheceu muitos lugares. Foi bem recebido pelas pessoas. “Me senti em casa” – diz.

Nem tudo é tranquilidade. Certa ocasião quando estava nas montanhas bolivianas. Muito frio, principalmente pela manhã, ao escovar os dentes, notou que a água havia congelado. De retorno à estrada, viu gelo nos barrancos e as águas dos pequenos rios igualmente estavam congeladas.

- As montanhas bolivianas são encantadoras. Emocionante observar o dourado em contraste com o azul do céu. Motivos para parar e fotografar – argumenta. Foram mais de duas mil fotos desta expedição.






Encara agora uma rampa. Velocidade de 80 km por hora. Adrenalina. Fone no ouvido. Rock quebrando tudo. Curvas. Caminhões. Perigo. Calma.

- O cair da noite no altiplano é único! Emocionante! Lua cheia atrás das montanhas. Parece um gigantesco farol. Show!

Mesmo tendo à disposição uma barraca para dormir, Furtado revela que ficava imensamente grato quando conseguia um lugar com mais conforto para dormir, tomar banho e se alimentar. Hospedou-se em hotéis que encontrava na estrada, muitas vezes pousadas sem nenhuma estrutura. Exclusivamente para dormir. Só.

Sobre o hábito e a cultura boliviana de mascar as folhas de coca, conta que é bastante comum. Até o Papa quando esteve na Bolívia recentemente, tomou chá das folhas de coca.

Viagem de bike também é cultura. É conhecer patrimônio cultural. Igrejas centenárias, com uma arquitetura fantástica. A história das civilizações indígenas e a exploração europeia. Genocídio e saque de riquezas da terra. Ambição e religiosidade. A maioria do povo boliviano e paraguaio é católico. Mas Furtado conta que viu templos do Edir Macedo por lá. A IURD já fincou raízes por aquelas bandas.


ESCULTURAS






Além de ciclista, Furtado também é escultor. Descobriu o talento há cerca de 20 anos quando produziu uma estátua de um gaúcho estilizado, toda de sucata de ferro, encomendada por um centro de tradições gaúchas na Semana Farroupilha. A repercussão foi imediata. Logo, surgiram novas encomendas. 

Uma de suas obras mais conhecidas é a estátua do goleiro Taffarel na rotatória do Parcão, em Santa Rosa. Já foi premiado nacionalmente em concursos. Furtado contabiliza mais de mil obras já produzidas. É nos depósitos de ferros velhos que ele garimpa a matéria prima para suas obras. Ciclismo e arte. Uma mistura exótica, diferente, partes do DNA de Jeferson Rossi Furtado.


PREPARAÇÃO

Essas empreitadas exigem preparação. Furtado pedala 600 km por mês. Pode chegar até 1.000 km quando o roteiro a ser percorrido é longo.

- A condição física é adquirida com a regularidade dos treinamentos. É preciso ter disciplina e treinar toda semana para atingir um preparo que possibilite uma viagem - recomenda.

Esta é sua segunda longa viagem. Temia ter problemas para lidar com a solidão na estrada. Mas ele conta que encontrou muitas pessoas no trajeto, paisagens lindas, cidades interessantes, e afirma que o instinto de sobrevivência do ser humano é muito forte.

Além disso, fazia contatos frequentes com seus familiares e amigos, quando conseguia conectar a internet.

- Na estrada encontrei ainda ciclistas americanos e franceses. Tive a grata companhia do alemão Peter, de Munique. Ele já andou muito. Segundo ele, só não pedalou nos Estados Unidos, Canadá e no Alasca. Conheci José Rúbio, da cidade do México, trocamos informações e estivemos juntos na visita ao Lago Titicaca, o mais alto do mundo. Estivemos na Ilha del Sol, lugar místico onde viviam os Incas.

Cada dia na estrada era momento único. Tudo poderia ocorrer. E tudo aconteceu da melhor maneira. Gratidão por tudo. 






- Soy loco por ti, América! - finaliza.


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>> Reportagem publicada originalmente na edição #51 da Revista Afinal.


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