domingo, 31 de janeiro de 2010

Democracia imperfeita


Há um esforço de setores da sociedade em apagar a ditadura da história do país, diz filósofo


Em março, será lançado o livro O Que Resta da Ditadura (editora Boitemço), organizado por Safatle e Edson Teles. A obra tenta entender como a impunidade se forma e se alimenta no Brasil. Para Safatle,o Brasil continua uma democracia imperfeita por resistir a uma reavaliação do período da ditadura militar (1964-1985) e por manter uma relação complicada entre os Três Poderes.


quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A diversidade na mídia em pauta


Foco de mais um ataque das maiores empresas de comunicação do Brasil, a 2ª Conferência Nacional de Cultura (CNC), marcada para acontecer de 11 a 14 de março, em Brasília, segue na reta final dos seus preparativos. Dentre os pontos importantes da pauta da CNC está a associação entre as políticas de comunicação e cultura. Esta diretriz está expressa no texto base da conferência, que traz críticas ao monopólio das comunicações e à falta de regulamentação do capítulo da comunicação na Constituição Federal, mais especificamente os artigos que dizem respeito à regionalização e produção de conteúdo. (...)

Leia a íntegra do texto de Mariana MarNegritotins no Observatório da Imprensa www.observatoriodaimprensa.com.br

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O FSM dez anos depois: em busca de mais ação


do site www.cartamaior.com.br


Dez anos depois, o futuro do FSM é debatido em Porto Alegre. O acúmulo de forças conquistado e a certeza de que ele pode e deve gerar ações efetivas no mundo aparece em diversas avaliações do Seminário Dez anos depois: Desafios e propostas para um outro mundo possível. Para João Pedro Stédile, do MST, Fórum precisa construir idéias mais unitárias. “Não conseguimos ter um programa mais propositivo, não que o FSM tenha que ter um programa próprio, mas que neste espaço pudéssemos construir idéias mais unitárias que representem um acúmulo de forças".

No primeiro livro sobre o processo do Fórum Social Mundial, publicado em 2001 sob o título “FSM: A construção de um mundo melhor”, Bernard Cassen narra uma conversa com Francisco Withaker e Oded Grajew no escritório doLe Monde Diplomatique, em Paris. Era a primeira das incontáveis reuniões que surgiriam para a construção do FSM. “Há momentos na vida em que, numa fração de segundo, temos a intuição e a absoluta certeza que uma iniciativa está destinada a um futuro promissor”, resume Cassen no livro. Dez anos depois, muitas das mesmas pessoas que estiveram em Porto Alegre em 2001 reencontram-se para debater o futuro do FSM. O acúmulo de forças conquistado até agora e a certeza de que ele pode e deve gerar ações efetivas ao redor do mundo aparece em diversas avaliações do Seminário Dez anos depois: Desafios e propostas para um outro mundo possível.

“Em menos de uma hora de discussão, nos pusemos de acordo em três pontos. O anti-Davos não poderia ser na França, país muito próximo da Suíça: era preciso uma ruptura geográfica e simbólica. De longe o Brasil me parecia ser o melhor candidato. E no, Brasil, a cidade de Porto Alegre me parecia a mais adequada, tendo em vista a sua experiência de democracia participativa, mundialmente conhecida como Orçamento Participativo. Eu havia tido a oportunidade de visitá-la pela primeira vez em julho de 1998 e encontrado especialmente, além de Raul Pont, o prefeito da época, Tarso Genro, ex-prefeito, e Olívio Dutra, que preparava ativamente a campanha eleitoral que o faria governador do Estado do Rio Grande do Sul. Para se opor a Davos, tirando partido de sua existência, seria preciso dar à nossa iniciativa o mesmo nome, mudando apenas um adjetivo. Para continuar com o paralelismo conflitivo com Davos, era preciso o FSM ocorresse nas mesmas datas”, conta Cassen sobre a conversa.

E o resto é história. De lá pra cá, Porto Alegre e o Rio Grande do Sul deixaram de ser exemplos progressistas para o mundo, mas o balanço de uma década de Fórum volta à cidade natal, talvez para que se reencontrem, depois de passar por Mumbai, Caracas, Nairóbi e Belém do Pará. Para Cândido Grzybowski, a decisão de permitir que o FSM rodasse o mundo foi um dos acertos do processo. “Isso deu chance às pessoas de cada um destes locais aproveitarem melhor o Fórum. Quando começamos, parecia louco quem ousasse dizer que outro mundo era possível. Hoje, um outro mundo não é só possível, como ele se impõe pelos fatos. Isso não quer dizer que construímos a alternativa. E é aí que entra pensar o Fórum para mais adiante. Seremos capazes de tal construção?”.

A pergunta do diretor do Ibase e integrante do Comitê Internacional do FSM não é de fácil resposta e é exatamente este questionamento que circula por Porto Alegre nestes dias. Para o também membro da membro do Comitê Internacional e representante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Francisco Whitaker, na prática, o FSM se concretizou como praça pública. “O Fórum virou um espaço aberto onde os movimentos e organizações altermundialistas pudessem se encontrar livremente, identificar convergências, pensar ações e articular alianças. Com isso, se tornou um instrumento a serviço da reflexão engajada, mas tal objetivo pode ser questionado”.

Whitaker acredita que questionar o FSM é sempre fundamental até porque, após um período de desânimo vivido pelo Fórum, o último encontro em Belém do Pará significou uma retomada de forças, segundo ele. “Lá pelas tantas, não sabíamos quais rumos tomar frente à força da globalização neoliberal. E aqueles que não faziam a necessária distinção entre o movimento altermundialista e o próprio FSM começaram a acreditar que era o Fórum que começava a se esvaziar. Essa impressão se reforçou quando, em Nairóbi em 2007, ele atraiu menos da metade dos participantes do Fórum de 2005, em Porto Alegre. Essa tendência só foi interrompida em 2009, quando reunimos de novo um número recorde de 150 mil participantes”.

Reforçando a idéia de que o FSM não morrerá, nem se tornou menos importante, mas que precisa rever objetivos, as falas em Porto Alegre 2010 convergem em uma palavra: ação. “Nesta idéia de que não se pode ficar eternamente discutindo e é preciso passar mais depressa à ação, surgiu a proposta de que o FSM tenha como objetivo a própria ação. Lançando ele mesmo as suas comitivas para superar o modelo neoliberal e assumindo um papel de maior protagonismo nessa luta. Para mim, o FSM continua sendo uma praça pública de encontro e reflexão em nível mundial e local com vistas a ação do altermundialismo e a criação de novas articulações”, avalia Withaker. Sem dúvida, a proposta de maior protagosnimo ganhou mais força após a crise financeira de 2008, quando parecia que o capitalismo estava prestes a ruir e que teria chegado o momento da virada. “O fórum de Davos foi realizado naquele momento em clima de velório” relembra Withaker.

Para Oded Grajew, o pensamento de ação comum deve transcender o Fórum. “A ação deve existir o ano inteiro, em formação de redes e fortalecimento das existentes. Essa foi a grande sacada do FSM, abrir um espaço onde todos se sentissem contemplados, onde nenhum causa é mais importante que a outra, porque a diversidade é um dos valores da nossa Carta de Princípios. Ela continua válida? Certamente que sim. Avançamos em muitas coisas e nossa tarefa ainda é gigantesca. A discussão do papel do FSM é interessante porque envolve nossa cultura patriarcal, piramidal, onde temos que ser mandados a fazer as coisas. O FSM não orienta subordinados, ele não manda em ninguém”, grifa o presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.

Entre a partidarização dos movimentos sociais e do FSM e a máxima “mudar o mundo sem tomar o poder”, outros debates aparecem pelos corredores da Usina do Gasômetro e dos Armazéns do Cais do Porto, construções a beira do Rio Guaíba que abrigam as discussões do Seminário Dez Anos Depois. Para o membro da Direção Nacional do MST, João Pedro Stédile, o acerto do Fórum foi justamente aceitar a todos, “até aos partidos”, grifa. “Acertamos em ser um espaço de debates onde todos se sentissem convidados, mesmo os companheiros que tem militância partidária, não em nome dos seus partidos, pela natureza do FSM. Sempre lutamos dentro do Fórum para que ele fosse massivo. Não poderia se transformar em uma reunião de sabidos ou em um evento acadêmico analisando a luta social. Acho até que em alguns momentos fomos democráticos demais. Mas avançamos em contribuir para derrotar o neoliberalismo não como modelo econômico, mas como ideologia”.

De todo modo, para Stédile ainda falta ação. “Não conseguimos ter um programa mais propositivo, não que o FSM tenha que ter um programa próprio, mas que neste espaço pudéssemos construir idéias mais unitárias que representem um acúmulo de forças. Também falhamos em construir dentro do Fórum espaços que possibilitassem ações de massa internacional”. Segundo ele, a única articulação internacional que pode ser citada foram as mobilizações contra a Guerra no Iraque, em 2003. Naquele ano, manifestantes contrários à guerra saíram às ruas de dezenas de cidades em todo o mundo para protestar. Foram mais de
150 mil pessoas em Paris, em dois protestos contra a guerra ao Iraque. Na Tunísia, centenas de pessoas tomaram as ruas da capital cantando "Give peace a chance" (Dê uma chance à paz). Em Milão, 300 mil pessoas participaram de um protesto. Os organizadores do evento, porém, falavam em 700 mil pessoas e explicavam que a manifestação significa uma oposição à guerra em qualquer circunstância. O protesto foi organizado por cerca de 70 entidades, entre sindicatos, partidos de esquerda e organizações não-governamentais.

“Inaugurado em 25 de janeiro de 2001, exatamente na mesma data que o de Davos, o FSM, em menos de 48 horas se colocou mediaticamente no mesmo nível que WEF, onde os grandes chefes das finanças e da indústria há 30 anos se encontram para decidir, de acordo com suas conveniências, o futuro do mundo. Portanto, o que aconteceu em Porto Alegre se constituiu numa verdadeira virada. Na sua diversidade, os movimentos opostos à globalização liberal irão não apenas seguir contestando, através da organização de anticúpulas, fóruns e manifestações, os que decidem nas assembléias do FMI, da OMC, do Banco Mundial, da Associação de Livre Comércio das Américas (Alca). Este é o grande desafio do próximo Fórum Social Mundial”, imaginava Cassen no mesmo texto do primeiro parágrafo.

O mundo certamente não é mais o mesmo de uma década atrás, com a derrubada das tratativas pela Alca, a crise econômica que povoou os debates do Fórum de Porto Alegre e a quantidade de governos progressistas eleitos na América Latina. Mas Porto Alegre também não é mais a mesma e o Rio Grande do Sul hoje é palco da maior batalha contra movimentos sociais, travada pelo Governo no Estado. O FSM voltou a sua cidade natal para avaliar a última década e encontrar tudo bem diferente de como deixou. No final das contas, as transformações vividas na última década são as provas da essencialidade do Fórum até hoje.


sábado, 23 de janeiro de 2010

O fracasso da estratégia tucana

A atual postura, totalmente fora do controle do PSDB e de seus líderes, precisa ser entendida. Os tucanos traçaram um cenário para as eleições de 2010 que não se concretizou, uma vez que apostaram na crise internacional, fizeram de tudo -- boicotando, combatendo e votando contra as medidas do governo Lula contra a crise --, como continuam contra o Pré Sal, na expectativa de que 2010 seria um ano de recessão e desemprego, cenário que não se confirmou, pelo contrário: o governo e o presidente Lula conquistaram seu maior grau de aprovação e apoio em plena crise internacional ano passado.

O segundo cenário era que Lula não ia transferir votos para Dilma Roussef e o PT se dividiria, não construindo alianças e palanques regionais para sua candidata. Chegaram a avaliar que o PT não aceitaria Dilma como candidata. O PT não se dividiu, pelo contrário, fez uma eleição exitosa de sua direção, apoiou Dilma praticamente por unanimidade e a candidata tem hoje 25% de votos e já empata com José Serra na espontânea; não tem rejeição superior a dos outros três candidatos; já ultrapassa Ciro Gomes em 10 pontos no primeiro turno e o vence no segundo; já tem o apoio do PMDB, e do PDT, caminhando para ter o do PC do B e PR e mesmo do PP e PRB.

Também ao contrário do que previam os tucanos e o DEM, os palanques estaduais de Dilma se consolidam e, mesmo no Rio Grande do Sul, onde eles apostavam no rompimento com o PMDB, as notícias não são boas para eles: José Serra está perdendo o PMDB gaúcho. O candidato do PMDB ao governo, José Fogaça, tem dito que pode apoiar Dilma se esta for a decisão de seu partido, a senha é “Dilma não é PT, é antes de tudo gaúcha”.

Nos outros estados a situação não é diferente, não se entendem em Santa Catarina e no Rio de Janeiro, não chegaram a um acordo com Aécio Neves, o que pode lhes custar uma derrota em Minas Gerais, o segundo eleitorado do país.

Assim, os ataques desesperados e desqualificados do presidente do PSDB ao governo, a candidata e ao PT se explicam pelo fracasso da estratégia tucana, pela crise sem precedentes do DEM e pela falta de propostas e programa da oposição. Daí a desastrada entrevista a revista Veja de Sergio Guerra e a ressurreição de Gustavo Franco, o do câmbio fixo e dos juros reais de 27,5%, o que dobrou a dívida interna e fez uma farra fiscal no primeiro governo FHC, até que o país quebrou e o FMI obrigou os tucanos a aceitarem a câmbio flutuante, deixando para o governo Lula a tão falada Herança Maldita.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Comissão da Verdade: não é hora de transigir


É fundamental que o capuz que protegeu o arbítrio seja rasgado pela democracia. Há um espaço social que se abre. Deixar de ocupá-lo, sob qualquer pretexto, não é apenas um erro tático, mas uma injustificável apologia da inércia.

Gilson Caroni Filho


São conhecidos os setores da sociedade brasileira que reagiram negativamente às propostas contidas no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, divulgado há três semanas pelo governo. A gritaria engloba a grande imprensa corporativa, segmentos conservadores da Igreja Católica, além de ilustres representantes do latifúndio. Todas essas forças e personalidades compreenderam lucidamente, de acordo com seus interesses, que o objetivo do texto não era o alardeado revanchismo contra os militares, mas a fixação de diretrizes que consolidam avanços democráticos. E é contra isso que se debatem, através de suas entidades representativas e de uma imprensa que vê no jornalismo decente o anátema mais temido.

A criação da Comissão de Verdade e Reconciliação para investigar os crimes da ditadura militar no Brasil não pode ser entendida como precipitação de uma “esquerda radicalizada". Sem se intimidar com pressões estreladas, a proposta tem como principal mérito estabelecer, no papel, a diferença entre combate e covardia, entre a verdade e a mentira. Com uma transparência antes inalcançada a questão democrática revela-se inextricavelmente entrelaçada ao resgate da memória histórica.

Longe de representar uma rachadura no núcleo progressista do governo, a postura da secretaria dos Direitos Humanos configura uma linha de comportamento político-ideológico coerente, corajoso e responsável. Não há por que recuar por conta de uma possível contaminação eleitoral, pela associação da iniciativa com a candidatura da ministra Dilma Rousseff. Não há imagem arranhada quando os procedimentos são nítidos e cristalinos. Como depende de produção legislativa para ser efetivado, o Plano, em toda sua larga extensão, não é um pacote jogado sobre as instituições. Mas um rico apanhado sobre as demandas efetivas da sociedade civil. Mais democrático, impossível.

Publicamente a cidadania se confronta com um fato: não se constrói democracia com ”prestativas" notas de clubes militares. Não é possível a eterna conciliação em uma arquitetura engenhosa e heterogênea como a que foi montada no governo Lula. Chega a hora da apresentação da fatura e, em momentos decisivos, é preciso firmeza para ratificar o combate de uma esquerda que se caracterizou por sua luta no pantanoso terreno dos direitos cívicos plenos. Se a verdade não é bem-vinda para direita, não há que se sufocá-la por um perdão decretado como "amplo, geral e irrestrito" O realismo político não pode prescindir da arte de se reinventar.

No calor do enfrentamento, duas propostas voltam a moldar o debate. A primeira defende que o campo democrático-popular deve escamotear sua busca pela verdade, postergando-a para quando as “condições o permitirem". Essa é uma proposta capitulacionista. Não enfrenta o problema real de uma sociedade que se quer ver livre de um arcabouço legal arbitrário e anacrônico. Além disso, tem um viés marcadamente golpista, ao procurar manipular e instrumentalizar o movimento democrático, sugerindo que, passados mais de 26 anos, as questões centrais da democracia brasileira devem permanecer em uma obscura clandestinidade.

Como escreveu Mino Carta, “é da natureza da tortura, portanto, que o torturador e o Estado que acoberta a tortura sejam levados a mentir". Em janeiro de 2010, em face das situações concretas colocadas pelo processo político, é fundamental que o capuz que protegeu o arbítrio seja rasgado pela democracia. Há um espaço social que se abre. Deixar de ocupá-lo, sob qualquer pretexto, não é apenas um erro tático, mas uma injustificável apologia da inércia. Não se constroem instituições democráticas, pluralistas, livres e participativas cortejando quem pretende destruí-las.


Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil