sábado, 11 de outubro de 2014

Ruínas de passagem (texto de Mariana Corteze)


                               PEQUENO EXPERIMENTO DE MUNDO

                                      Ruínas de passagem

por Mariana Corteze*


 A civilização ocidental tem como berço a Grécia, pois é visto que suas raízes mais profundas estão imersas na transformação cultural e civilizacional da antiguidade clássica, que acabou por afetar as extensões do conhecimento e pensamento humano e assim, transformando em definitivo o percurso evolutivo da sociedade atual. De tal modo, passados cerca de 2500 anos, ainda podemos perceber que a Grécia Antiga continua presente dentro da nossa realidade por meio da filosofia e da reflexão racional do homem sobre si próprio, procurando entendimentos que esclareçam a existência do ser, valores, virtudes individuais e coletivas. 

Atenas, capital da Grécia, é feita de ruínas da poderosa capital-estado da Antiguidade, sendo reconhecida como uma das mais antigas cidades do mundo pela sua fundação há mais de seis mil anos, que ainda é habitada em grande corpulência. Possui algumas das mais famosas edificações do mundo antigo, como o Partenon, o Erecteion e a Acrópole de Atenas que é sustentada por uma colina rochosa de topo plano com cerca de 150 metros acima do nível do mar, sendo construída por volta de 450 a.C. sob a administração do estadista Péricles e foi dedicada a Atena, a deusa padroeira da cidade. Sua função era originalmente entendida como proteção das cidades inimigas, porém com o tempo, passou a servir de sede administrativa civil e religiosa.

 

Percorrer tal espaço responsável por abrigar uma densa bagagem que ascendeu o trajeto humano, acabou por questionar a sociedade que experienciamos (será que apenas digerimos e evacuamos?). A condição líquida moderna contemporânea se desenvolve em grande escala através da blasfema da realidade terrena a favor de uma verdade transcendental, onde o mundo torna-se uma compensação aos fracos. Em grande maioria, os critérios existenciais acabam não sendo definidos através de estimas individuais e sim pela confortável base sólida de fórmulas idealizadoras. Em atmosfera transitória o que é solúvel rapidamente deixa de ser, é como se o mundo buscasse eternidade em um espaço de fugacidade, é uma busca de solidez em um ambiente escapadiço. Quiçá esteja aí as indagações deste planeta cheio de sufocamentos: o conflito entre o desejo de verdade e a fluidez do mundo.

Junto ao raciocínio transeunte, é simpático citar o clássico romance A insustentável leveza do ser (1984) do tcheco Milan Kundera que aborda questões análogas ao mundo feito de passagem. A problemática da leveza e do peso possui amparo na filosofia de Parmênides (530 a.C. – 460 a.C.) que discutiu as dualidades ontológicas do ser, nascidas a partir da presença e ausência de alguma entidade. Para Kundera, a leveza é uma vida levada sob uma liberdade descompromissada, porém a mesma despe a vida de seu sentido, pois é o peso quem finca a vida a uma razão de ser qualquer que se constrói. Uma noção nietzscheana de amor fati é personificada em um dos personagens principais (Tomas) e o argumento de Eterno Retorno assume um convite a vida crua, sem condicionantes muletas metafísicas. 

“O drama da sua vida pode ser sempre explicado na metáfora do peso. Seu drama não era o peso, mas a leveza (...) O que se absterá sobre ela não era o fardo, mas a insustentável leveza do ser." Milan Kundera

 
O valor da transitoriedade é o valor da escassez do tempo nos nossos dias. Portanto, como seria nossa vivência se o mundo fosse amputado daquilo que lhe dá permanência? Talvez, seja audaz que esqueçamos as pedras e as areias que percorrem os mares embutidas nas garrafas de socorro.





*Mariana Corteze

Licencianda em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pelotas, Brasil

Licencianda em Estudos Artísticos pela Universidade de Coimbra, Portugal

Bolsista do Programa de Licenciaturas Internacionais | CAPES

http://www.flickr.com/photos/maricorteze/

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