terça-feira, 15 de abril de 2014

Entrevista: Inácia Perinazzo Cassol - Pastoral da Criança do RS

Faz bem fazer o bem


A professora Inácia Perinazzo Cassol coordenou a Pastoral da Criança do RS por oito anos. Em 2006, quando foi escolhida, concedeu entrevista para a Revista Afinal e projetou sua expectativa e motivação. Oito anos depois, ela conversa novamente com o editor da revista e analisa o período que esteve à frente da Pastoral, reconhecida internacionalmente pela sua dedicação à causa infantil.


Como foi a tua gestão na Pastoral da Criança do RS?

Avaliar uma gestão é sempre muito complexo. Posso dizer que nestes 8 anos de coordenação muitas foram as lições e ganhos como voluntária. Os maiores ganhos são em relação ao protagonismo dos voluntários e da comunidade com sua própria transformação. Quando as pessoas se sentem valorizadas no meio social em que vivem, estabelecem relações de diálogo com o mundo a sua volta, assumem compromissos direcionados à transformação ou melhoria da realidade em que vivem, fazem história e contribuem para a continuidade da história, isso é um ganho pessoal que vale uma vida. Na Pastoral da Criança a razão de agir do voluntário é a promoção das pessoas. Receber formação para atuar com qualidade é um direito. O prazer de ajudar é uma expressão de solidariedade que fortalece a auto-estima, a alegria. As ações feitas na Pastoral da Criança se caracterizam por pequenos gestos cotidianos, de atenção permanente para o “prevenir" e "cuidar", que geram impacto na vida de gestantes e famílias. Tudo parece tão simples em um primeiro olhar mais superficial, porém de grande importância quando se observa os resultados. Onde estamos presentes as comunidades estão mais organizadas, esclarecidas e mais fortes. Como dizia nossa inesquecível Dra. Zilda Arns Neumann: FAZ BEM FAZER O BEM.


Quais foram as maiores dificuldades que enfrentaste?

Poderia dizer que os grandes desafios - e não dificuldades - durante estes anos foram levar as ações básicas e implantar a metodologia de organização comunitária nas comunidades mais pobres do estado: áreas indígenas, quilombolas e grande metrópole.

Buscar novos voluntários é uma necessidade constante. Precisamos avançar ainda mais na construção de melhorias para as famílias e nos serviços públicos para as crianças se desenvolver com saúde, paz e oportunidade para brincar e estudar. Para isso precisamos conquistar mais voluntários. Passamos por um período em que as pessoas deixaram de ser solidárias, preocupadas em buscar bens materiais. Hoje, observa-se que com a conquista destes bens as pessoas se deram conta que não basta o conforto material, pois a comunidade, a sociedade em que vivemos também precisa estar bem, por isso observamos que o trabalho voluntário está voltando com muita força. O amor e a dedicação de cada líder nos fazem acreditar que podemos transformar a família e a comunidade em um lugar ideal para nascer e ser feliz.


Quais os maiores avanços ocorridos neste período?

O voluntário é compromissado com a causa na qual acredita. Trabalha com amor e luta para que a sociedade tenha menos sofrimento e mais justiça social. No RS estamos presentes em todas as Dioceses e Vicariatos, ou seja, 21 setores. Nossa missão na Pastoral da Criança é levar a paz às famílias que acompanhamos, as visitas que fazemos ajudam as famílias a criar oportunidades de desenvolvimento dos filhos, para que estes possam conquistar uma vida mais digna. É gratificante poder constatar que quando as famílias abrem as portas para nós, podem pensar: estou abrindo a porta para alguém que, junto comigo, ajudará a construir a família que eu sonho. Temos desenvolvido, com muito sucesso campanhas como: Dormir de Barriga prá cima é mais seguro; Antibiótico Primeira Dose Imediata; Dia de Ação de Graças pela Criança; Soro Caseiro e Lavar as Mãos.

Firmamos convênio com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Governo do Estado, sendo que acabamos de renovar o mesmo no valor de R$ 323.000.00 para o ano de 2014, com o objetivo de reduzir a mortalidade infantil, a desnutrição, a violência familiar e promover as famílias. Os líderes também ajudarão a SJDH a identificar crianças e adultos que não tem certidão de nascimento buscando, em conjunto, a erradicação do subregistro de nascimento. Destacamos aqui nossos líderes voluntários que são a grande força que move a Pastoral da Criança.


Depois de oito anos na Pastoral da Criança, quais seus planos para 2014?

A Pastoral da Criança tem a meta de se expandir para todas as comunidades do Brasil. O Brasil é um país rico, com tecnologia e recursos suficientes para propiciar vida digna a todos os seus habitantes. No entanto, é um país com sérias desigualdades. Mas a organização comunitária e a aplicação de medidas simples, como o aleitamento materno, imunização, vigilância nutricional, manejo correto da diarreia e pneumonia e a implementação das ações básicas de saúde, poderiam salvar ao menos 80 mil crianças, a cada ano, no Brasil! Com a proposta de fazer com que a solidariedade chegue aos pobres, principalmente aos que vivem em municípios brasileiros de extrema pobreza e de difícil acesso, das regiões norte e nordeste, a Pastoral da Criança desafia seus voluntários mais experientes, para junto com o povo levar vida em abundância a crianças e gestantes. Este será o grande desafio para 2014. Todo o mês, estarei em missão durante 15 dias em alguma comunidade do Brasil. O Papa Francisco conclama toda a Igreja a sair para lugares mais distantes: "Evangelizar jamais é um ato isolado, mas sim eclesial. Uma comunidade é realmente adulta se consegue sair do seu recinto para levar a esperança de Jesus também às periferias. Que Deus não nos deixe em casa, mas nos empurre a sair de casa."


Fale da experiência pessoal de coordenar a Pastoral. O que ficou internalizado?

Há 8 anos atrás quando fui eleita para coordenar a Pastoral da Criança do Rio Grande do Sul, fiquei muito surpresa e ao mesmo tempo fui tomada por um grande desafio porque sempre acreditei na causa da criança como uma vocação, dom que brotou já com a profissão de professora, sempre acreditei que posso ajudar a mudar alguma coisa. Num primeiro momento veio o receio de não dar conta depois a motivação desafiadora faz a gente acreditar e ir em frente, tendo na mente a passagem bíblica que diz que “Deus não convida os capacitados, mas capacita os escolhidos”. Tem algo maior que nos prende na Pastoral da Criança, que nos motiva, nos faz ir em frente. Nossa vida é uma caminhada. O mais importante é seguir e servir Aquele que é “Caminho” por excelência: Jesus Cristo.

Nesta caminhada aprendemos a contemplar, celebrar e valorizar tudo o que acontece na estrada de nossa existência. Os momentos de alegria, e também aquilo que achamos menos positivo; tudo nos ajuda a amadurecer e nos fortalecer, tanto na vida pessoal, espiritual, humana, como social e psicológica. Sabemos que aos olhos de Deus tudo é valorizado e mamado, pois Ele nos criou e sabe do que somos capazes.

O caminho é construído por nós ao longo de nossa existência. Temos sempre surpresas no caminho, pois ele é feito de encantos e desencantos, flores e espinhos, luzes e trevas, lágrimas e risos, conquistas e desafios. Termino um ciclo e inicio outro, sempre construindo meu caminho. Que eu possa percorrê-lo, olhando para o alto, para pedir as bênçãos de Deus; para baixo, para seguir os caminhos da missão; para o lado, para ver aonde meus irmãos se encontram e precisam de meu apoio, ajuda e amizade.


*Entrevista publicada originalmente na edição nº 44 da Revista Afinal.


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