sábado, 24 de agosto de 2013

O nó da saúde



por Victor Barone

Desde abril de 2012 o cardiologista Sérgio Perini é o único médico disponível para os 18 mil habitantes de Santa Maria das Barreiras, no interior do Pará. Este cenário de abandono é comum a milhares de municípios brasileiros localizados fora do eixo dos grandes centros urbanos. Mas, não se engane. Os são marienses têm sorte. Não vivem em um dos 700 municípios brasileiros onde não há sequer um médico.


Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM) o Brasil possui hoje pouco mais de 388 mil médicos, cerca de 1,8 por mil habitantes. A Argentina tem 3,2, Espanha e Portugal têm 4 e Inglaterra, 2,7. O problema mais grave é que apenas 8% destes profissionais estão em municípios de até 50 mil pessoas, que representam quase 90% das cidades brasileiras. A imensa maioria dos médicos brasileiros está atulhada nos grandes centros.

O Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica (Provab), iniciativa do Governo Federal cuja intenção era levar médicos recém-formados a regiões carentes oferecendo uma bolsa de R$ 8 mil não deu certo. Ano passado, 2.856 prefeituras solicitaram 13 mil médicos. Apenas 4.392 médicos se inscreveram no programa e 3.800 assinaram contrato.

Os números frios das pesquisas e amostragens não traduzem de forma correta o drama destes milhões de brasileiros entregues à própria sorte. A situação é pior ao vivo. O abandono de populações inteiras, obrigadas a se deslocarem centenas de quilômetros em busca de atendimento médico ou a se conformarem com paliativos é a sequela de uma doença crônica do país: a falta de políticas de Estado.

Diante desta caos, deste cenário de terra devastada, como condenar um programa como o Mais Médicos? Como, em sã consciência, podemos dizer que a presença de um médico estrangeiro nestes grotões - com todos os problemas relacionados a barreira do idioma e até mesmo, vá lá, de formação - poderá configurar um cenário pior que a simples ausência de um médico? Por mais que as entidades de classe da medicina promovam uma gritaria contra a vinda de médicos cubanos, espanhóis, portugueses e brasileiros diplomados no exterior sem a validação de seus diplomas no Brasil, o que de fato há por detrás deste movimento é o velho e carcomido corporativismo.

É justo o argumento segundo o qual o problema da Saúde Pública no Brasil não se resolve apenas com mais médicos, mas com investimentos em postos de saúde, hospitais e equipamentos. No entanto, as pesquisas mostram que isso não é tudo. Nos últimos anos, a infraestrutura de Saúde no Brasil cresceu em ritmo mais acelerado do que o número de médicos. Assim como faltam investimentos, existem hospitais fechados por ausência de médicos dispostos a trabalhar neles.

O desenlace deste nó depende do ataque aos interesses particularistas e à reserva de mercado, do combate à manutenção de privilégios corporativos e à absoluta ausência de responsabilidade moral que condena pacientes e médicos a se olharem de trincheiras opostas.




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