sexta-feira, 10 de maio de 2013

O jornalismo é mais do que um negócio

por Carlos Castilho*


A crise na imprensa mundial está provocando uma revisão nos valores e objetivos do jornalismo, além de todas as outras mudanças em curso na área da tecnologia, sistemas de produção, formação de profissionais e modelos de negócio. É uma revisão ainda tímida porque a preocupação com os lucros permanece hegemônica, mas de qualquer maneira promissora porque cria novas alternativas para a atividade.

Durante mais de um século, a profissão acabou totalmente envolvida pelos interesses e necessidades da notícia como commodity a ponto dos seus objetivos terem sido quase que totalmente obscurecidos pela preocupação corporativa. Isto levou a uma distorção na agenda dos jornais, revistas e noticiários de rádio e TV, o que logicamente acabou repercutindo na lista de temas discutidos pela população.

A crise no modelo de negócios predominante na imprensa mundial, provocada pela ampliação do uso da internet e pela avalancha informativa, fez com que tanto os executivos como os jornalistas tivessem que repensar rotinas, valores e objetivos no manejo da notícia. A certeza de que o jornalismo é um bom negócio foi abalada e com ela abriu-se um espaço para retomar ideias que estão na origem histórica da atividade.

Um dos motivos da crise no modelo de negócios da imprensa é a perda de leitores e de anunciantes. Embora existam poucas pesquisas sobre a evasão de leitores aqui no Brasil, um dos fenômenos que a motivaram é a discrepância entre as agendas da imprensa e do público. Neste aspecto, dois pontos se destacam: a ênfase dedicada à violência e o destaque dado a questões político-partidárias.

A cobertura intensiva de casos como o do julgamento do goleiro Bruno e dos crimes diários em São Paulo ou outras capitais brasileiras está saturando a população, como mostram os comentários em redes sociais, blogs e notícias de jornais online. A imprensa insiste na tese do “se sangrar é notícia” que já está gasta, mas parece útil se a preocupação for semear o medo na população, para que atemorizada ela se torne mais dócil. Tese com ampla utilização nos Estados Unidos, desde os atentados às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001.

Mais defasada ainda é a agenda da imprensa sobre questões relacionadas à luta pelo poder político. A crise do momento envolve um bate-boca entre os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), as duas casas do Congresso Nacional, organizações policiais e associações de magistrados. Trata-se de um problema basicamente corporativo, em que cada grupo quer maiores vantagens e regalias, tudo num contexto de pré-campanha eleitoral e que a imprensa repassa aos leitores como se fossem notícias importantes para o interesse público.

A imprensa cobre porque tem interesses (pouco claros) nas disputas entre facções dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Esta é a razão pela qual dedica tanta relevância a temas que têm pouca ou nenhuma relevância para o leitor comum. E é aqui que se encontra o ponto crítico do problema.

Se a imprensa continuar obcecada com o jogo do poder e com os seus interesses financeiros na crise do seu modelo de negócios, ela tende a se afastar cada vez mais do público porque este tem à sua disposição fontes de informação que podem não ser tão confiáveis como as dos jornais, mas pelo menos estão mais próximas dos interesses de leitores, ouvintes e telespectadores.

A crise atual mostra que não está em jogo o desaparecimento definitivo do negócio da informação. Ele vai continuar, mas em escala diferente e com modelos diversos. O que está em questão é o surgimento de um novo tipo de imprensa, que vai conviver com a comercial, mas que estará voltado parta questões relacionadas diretamente ao quotidiano das pessoas. É o caráter público do jornalismo que foi atropelado pelos interesses comerciais.

O uso da cobertura noticiosa como estratégia para atingir objetivos corporativos está se tornando cada vez perceptível, o que compromete a credibilidade e confiabilidade do leitor no material impresso ou transmitido pela rádio e TV. Este tipo de jornalismo está deixando de ser um bom negócio e mostra que a atividade está inserida num contexto mais amplo, que é o da geração de conhecimento visando a produção de capital social.

Usar o jornalismo para obter receitas corporativas é subutilizar uma atividade que pode gerar benefícios muito maiores, se for contextualizada em ambientes sociais. As pessoas precisam de notícias para tomar decisões pessoais e comunitárias. Hoje e no futuro, todos nós dependemos cada vez mais de notícias porque a complexidade da oferta dos problemas e da oferta de produtos só tende a crescer.

Essas decisões estão ligadas a problemas como saúde, educação, emprego, segurança ou lazer, e nada têm a ver com questões corporativas do STF ou dos deputados e senadores, e nem com o lobby dos conglomerados midiáticos por isenções fiscais ou regulamentações.

As decisões tomadas pelas pessoas, com base em notícias com interesse real e imediato na vida comunitária, geram conhecimento coletivo, que ao ser acumulado produz o que os economistas e sociólogos batizaram de capital social. Trata-se de um indicador do desenvolvimento global de uma comunidade e que é considerado hoje um fator básico para o desenvolvimento econômico regional, segundo a ONU e o Banco Mundial.


* O artigo foi publicado originalmente no site Observatório da Imprensa.




Nenhum comentário: