sábado, 8 de dezembro de 2012

[Exclusiva] Niemeyer por Cristina Casagrande


Entrevista exclusiva com o genial Oscar Niemeyer feita pela santa-rosense Cristina Casagrande em marco de 2006, no Rio de Janeiro.
Cristina Casagrande é santa-rosense, filha do falecido ecônomo do Clube Concórdia, Dante Casagrande.
Reside há 20 anos na cidade suíça de Luzerna e trabalha na Fundação de Arte e Cultura Brasilea, em Basel (Suíça), na organização de eventos que divulgam a arte e cultura brasileira.
Mestre em Arte dedica-se ainda a edição de livros, exposições de arte, traduções, organização de viagens de trabalho para o Brasil cujo objetivo é estudar a arquitetura brasileira e seus mestres.


>> Esta entrevista foi publicada na edição nº 01 da Revista Afinal, em dezembro de 2006.




CRISTINA CASAGRANDE POR ELA MESMO:

Sou santa-rosense, resido há 14 anos em Lucerna, na Suíça. Adoro Psicologia e Arquitetura. Trabalho em projetos de Arte e Cultura na Fundação Brasilea em Basel na Suíça


A PREPARAÇÃO PARA O ENCONTRO

Niemeyer e Cristina Casagrande
A entrevista ocorreu no dia 17 de março de 2006, no escritório dele em Copacabana no Rio.
Ele tinha sofrido um pequeno acidente, e, em princípio, não iria falar. Concordou em fazer uma pequena saudação à comitiva suíça.

Mas para nossa surpresa, no momento que nos encontrou, foi extremamente receptivo, sentou-se conosco e nos emocionou pela maneira lúcida e humilde de tratar os grandes problemas da humanidade e que ultrapassam ao universo do tema arquitetura.

Nosso grupo era formado por 30 pessoas, sendo 29, suíços arquitetos do BSA Bund Schweizer Architekten (entidade similar ao nosso Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB).

O encontro se desenrolou com um clima de muito respeito e emoção. Alguns deixaram escapar algumas lágrimas por estar em frente a um dos maiores ícones da arquitetura mundial e, principalmente, pela sua sensibilidade.

Oscar Niemeyer é arquiteto, poeta, filósofo, humanista e sobretudo sensível, um
sonhador!
Ele esqueceu-se de morrer...para a nossa felicidade e para a felicidade de
seus amigos e de sua família, que ele ama sobretudo...

Um abraço, e até breve


Cristina Casagrande
Auf Musegg 6
CH 6004 Luzern



A ENTREVISTA

[17 de março de 2006 no escritório do Dr. Oscar Niemeyer no Rio de Janeiro]

[Niemeyer fala com Cristina]: Peça para me desculparem, caí e estou com dores no braço e sem vontade de falar. Eu gosto de encontrar com eles. Também eu quando era estudante queria saber das coisas. De modo que conversar um pouco com eles é para mim um prazer. Peça para me desculparem, mas eu estou mais chateado do que eles. Vamos sentar.

(Pede um cigarro a Carlos Renato, seu bisneto).

Niemeyer: - O que é que eu posso falar pra eles?
Pois é... Passei a  vida debruçado na prancheta. Trabalhei muito. Eu começo a trabalhar aqui no escritório às 9 horas e saio na hora do jantar.
Eu adotei um método de trabalho. Eu acho que a arquitetura é uma coisa individual. Eu trabalho sozinho até ter a planta resolvida.
Quando a solução está encontrada, as fachadas e os cortes e tudo o mais, aí eu chamo os arquitetos, que são também meus amigos e mostro a eles o meu trabalho. O arquiteto que hoje trabalha mais ligado comigo é o Jair Valera, que esteve conversando antes com vocês. Eu trabalho também com a minha neta. Tem também ou outros netos que estão começando a trabalhar comigo.
Assim, (com essa solução) eu tenho tempo para viver, para conversar com os amigos, para ler e para viver a vida em toda a sua plenitude.
Eu sempre reclamo, dizendo que em geral, os arquitetes deixam a universidade como bons profissionais, mas sem interesse pela arquitetura.
Devido a isso temos muitos especialistas...
Por isso eu iniciei uma campanha para que os arquitetos se interessem mais pela leitura, para que leiam, que leiam inclusive romances, para  que se interessem pelo nosso mundo, pela necessidade de justiça social.
A maioria dos  arquitetos saem para a vida preparados para atuar como bons profissionais, mas sem uma devida orientação para atuar como bons arquitetos no mundo perverso.
Para ser coerente, aqui no meu escritório todas as terças-feiras, nós temos uma aula de filosofia. Estudamos sobre o cosmos, temos aulas de letras, de literatura... não para formarmos intelectuais, mas para compreender o homem e o mundo em que ele vive.

Por isso que eu digo sempre, que a vida é mais importante que a arquitetura. A arquitetura não muda nada, agora a vida pode mudar a arquitetura. Se isso acontecer, a arquitetura poderá vir a ser nova. Do contrário a arquitetura continuará a ser apenas das elites, dos governos, dos que tem poder, dos que podem pagar. Se isso mudar, as habitações serão mais simples, todos terão a sua casa, e os empreendimentos sociais, como hospitais, escolas, campos de esportes e lazer, isso tudo deverá ser ainda mais monumental.
Niemeyer com os arquitetos suíços.
A arquitetura que eu faço, segue o que o concreto armado oferece aos arquitetos. Nós podemos voltar um pouco ao passado a ver as primeiras vigas, as primeiras cúpulas, das grandes catedrais... Mas o vocabulário plástico (ou prático) de hoje é o que o concreto armado oferece. É o que marca o nosso tempo e indica o caminho.

Eu não acredito numa arquitetura ideal. Se existisse seria uma monotonia. O que  eu acho é que dentro das possibilidades do concreto armado os arquitetos podem especular cada um a sua própria arquitetura. Cada arquiteto tem que ter a sua própria arquitetura. E tirar do concreto armado tudo o que ele oferece.
Eu gosto da curva! A curva é a que exprime melhor o concreto armado. As inúmeras estruturas e formas novas que ele oferece. Mas eu aceito qualquer tipo de arquitetura. Para mim o importante é que a arquitetura seja nova. Arquitetura é invenção. De modo que quando eu faço um projeto, se eu não encontro qualquer coisa de novidade para apresentar eu procuro outra solução.
Como é bom, gratificante, dentro da técnica mais apurada, encontrar uma solução. Uma forma nova. Uma forma que não contraria o sentido da técnica. Mas proporciona, para os que a vêem uma certa alegria, a de saber que se trata de uma coisa nova.

(Niemeyer pergunta para Cristina)

- Eles foram a Brasília? Foi uma obra feita as correrias, sem muito tempo para pensar. Eles podem ter gostado ou não dos Palácios. Mas não viram antes coisa parecida. Podem ter visto coisa melhor, mas nada antes igual. E é isso que me tranquiliza em relação ao trabalho que eu faço. É isso que eu tinha a dizer para eles.
Para mim, aquele sujeito que sai as ruas brigando lá fora, contra o mundo, para melhorar  o mundo, está fazendo algo mais importante daquilo que eu faço.
Eu respeito os colegas, eu não critico. Faço o meu trabalho, gosto de Le Corbusier (Arquiteto), como gosto do André Malraux (escritor, ex-Ministro da Cultura da França). Gosto de Pablo Picasso como gosto de Henri Matisse.
- Mas a luta política é o mais importante!

Niemeyer: - Se alguém tiver uma pergunta a fazer eu estou aqui.

- O senhor que já esteve em vários lugares, onde gosta mais de estar?

Niemeyer: O lugar onde mais gosto de estar hoje é aqui. Na situação em que nos encontramos hoje, a gente tem que ser nacionalista. Quando o mundo é ameaçado, como está sendo agora pelo Bush  a defesa da soberania é o mais importante.

- O que o senhor deseja para o seu próximo aniversário?

Niemeyer: Para o meu próximo aniversário? Eu sou uma pessoa tão simples... tão sem importância... para mim, pessoalmente, poucas coisas realmente importam. O importante é as pessoas serem amigas. Que haja solidariedade, que a gente possa olhar um para o outro sem procurar criticar. Estar com outro e ser capaz de aceitar o seu lado bom. O Lênin dizia que reconhecer 10% das  qualidades já bastaria.
É isso...

- Eu gostaria de dizer-lhe que além de admirar sua arquitetura, admiro também suas idéias e suas reflexões.

Niemeyer: Muito obrigado! Eles têm muito pela frente. Eu quando era moço, eu preferia estar na praia, a estar discutindo temas de arquitetura.
Eu sempre digo que a vida é uma mulher no lado e seja lá o que Deus quiser...

(Niemeyer pergunta para Cristina Casagrande)

- Eles estão em que ano da escola?

Cristina Casagrande: São todos arquitetos formados em pleno exercício da profissão e com muitas responsabilidades.

(Niemeyer comenta: - “É... o mundo está muito difícil”).

- Na sua opinião qual é a sua obra de maior importância?

Niemeyer: Todas (as obras) foram feitas com o mesmo empenho, mas cada uma diferente da outra. Brasília, por exemplo que eles conheceram foi uma aventura!
Nós não tínhamos todos os elementos necessários para projetar. Tínhamos que fazer tudo correndo. Eu me lembro que a primeira vez que eu estive com o Presidente Juscelino Kubitschek  ele me pediu para fazer a Pampulha. Era num bairro em volta de uma represa. Quando acabou a conversa, ele disse pra mim: “Niemeyer eu preciso do projeto do Cassino para amanhã”. Então eu fui para o hotel, trabalhei durante toda a noite e entreguei-lhe o projeto no dia seguinte.
E durante todo o tempo de Pampulha, ele sempre dizia-me que queria os projetos para o dia seguinte.
Então eu acho que arquitetura está na cabeça. A gente tem que saber olhar para dentro de si, imaginar, sentir e projetar como se aquela forma seria se já estivesse acabada. Assim é que eu vejo a arquitetura.
Eu tinha dois colegas. Um era um desenhista fantástico, o outro não desenhava tão bem mas era melhor arquiteto, porque ele tinha as idéias na cabeça.

Comentário de um dos participantes da comitiva: - “O senhor tem as duas coisas: as idéias na cabeça e a capacidade de desenhá-las”.

Niemeyer: Quando eu era garoto, de 10 anos de idade, eu só tinha nota 10 em desenho. Minha mãe guardava os desenhos com muito carinho. Sem saber que eles me levariam para a arquitetura.
É uma grande satisfação ver uma obra concluída.

Niemeyer pergunta: - “Eles visitarem as obras do Museu de Arte Moderna em Brasília?”

Cristina responde: - Sim, também visitamos do Museu em obras.

Niemeyer: Ali tem muita técnica. Não tem colunas embaixo dos mezaninos  Nós os penduramos com tirantes. De modo que é uma obra pública. Daí a técnica pode prevalecer. Eu acho que quando se trata de um museu importante, tem que se usar todas as possibilidades do concreto armado.
O  museu que eu fiz agora para a Espanha, tem também todo um cuidado e arrojo. Eu espero poder ver essa obra concluída.
Vocês viram o auditório que eu fiz no Parque Ibirapuera, em São Paulo?

Cristina responde: - Sim

Niemeyer: - Eles viram então que o palco do teatro se abre pra fora. Eu não vi este projeto ainda. Eu estou brigando por causa de uma marquise, que eu queria cortar. Às vezes é preciso brigar! Acho que o arquiteto tem que defender suas idéias!
Eu fui fazer uma praça no Havre, na França. Eu fui lá acompanhado do prefeito do Havre. Eu vi o terreno. Eu achei que era frio demais. Tinha vento. Eu tive que trazer  a praça quatro metros abaixo. E assim fizemos. E é a única praça que eu conheço que foi rebaixada quatro metros. Eu lembro de um crítico italiano, que considerou essa praça como sendo uma das dez melhores obras de arquitetura do mundo, por ser diferente.

Niemeyer: - Eles conhecem o prédio da Editora Mondadori, em Milão na Itália?

Cristina Casagrande: - Sim!

Niemeyer: Lá por exemplo eu queria fazer uma colunata diferente. Eu quis fazer vãos de 15 metros, de 9 metros e de 3 metros. Quando a gente faz uma coisa que resulta numa coisa bonita...
Eu tenho sempre a colaboração dos engenheiros o que é muito útil para mim. De modo que eu sempre fui auxiliado pela técnica, o que me possibilitou fazer projetos cada vez mais audaciosos.
Diga pra eles que um dia ainda vou fazer uma grande laje, sem nenhum apoio.

- Na sua opinião o Engenheiro de todos os tempos é ainda o Engenheiro Joaquim Cardoso?

Niemeyer: Não, isso de ser o melhor não existe! Tem muito engenheiro bom! A gente não tem de ficar imortalizando as pessoas. Cada um tem uma qualidade, que o outro não tem. Mas todos são importantes. O mais importante é ter a vontade de fazer e não desistir.
É isso...

(Aplausos do grupo e entrega de presentes como chocolate, cigarros e CD).

Niemeyer:- Eu gosto muito de chocolate. Parece Papai Noel...

[O Arquiteto Oscar Niemeyer faleceu na última quarta-feira, dia 5, às 21h55, aos 104 anos de idade. Faria 105 anos dia 15/12.]

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