terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

[Frida Kahlo] Tudo e tudo e um.


María José Lacalle

Santiago - O mundialmente reconhecido impulsor do movimento surrealista, André Breton, viajou ao México, conheceu Frida Kahlo e relacionou sua obra com essa corrente que fala da arte como manifestação do mundo dos sonhos. Entretanto, a artista não aceitou esta definição. Ela respondeu que pintava a sua própria realidade: “o único que sei, é que pinto porque preciso, e pinto o que me acontece, sem mais considerações".

Por isto se deduz que, definitivamente, a vida da pintora mexicana não pode ser imaginada somente em sonhos. Repleta de experiências dilacerantes, ela não duvidou em colocá-las em seus quadros que começou a pintar enquanto se encontrava prostrada pela poliomielite que sofreu aos 6 anos. A solidão e seu espírito inquieto fizeram com que pegasse uma caixa de lápis de cor de seu pai para se adentrar no mundo da arte. Mais adiante começaria a experimentar com telas, pincéis e óleos.

Frida Kahlo nos deixou uma obra completamente biográfica e ideológica. Tanto é assim que a maioria de suas pinturas foram auto-retratos, que na última década de sua vida estiveram acompanhadas por poemas que escrevia em um diário.

O impedimento físico que teve para levar uma vida normal, foi acrescentado com um forte acidente que sofreu aos 18 anos. Segundo ela, um verdadeiro milagre a permitiu sobreviver: porém, lhe deixou seqüelas físicas que não a deixaram ser mãe e a fizeram viver acompanhada de forma permanente pela dor física e pela espiritual. Porém, mais adiante, conseguiu voltar a caminhar, foi submetida a mais de trinta operações e, mesmo assim, nunca deixou de pintar, talvez como forma de agüentar o seu martírio. Nunca pintou com o interesse de se lastimar; pelo contrário, as imagens cruentas que vemos em muitos de seus quadros –colunas partidas, abortos, sangue, mortes–, manifestam uma espécie de provocação, de atitude desafiante frente ao mundo, porque ela era assim.

Tenhamos em conta que ela nasceu em 6 de julho de 1907, data renegada por ela: corrigiu e afirmou que seu nascimento teria sido em 1910, ano do início da Revolução Mexicana, pois queria que sua vida começasse com o México moderno.

Assim como confirma sua personalidade, esta passagem explica também o interesse pelo seu país, pelas raízes de seu povo. Por isso sua vestimenta, penteados e sobrancelhas grossas –uma forma de dar a conhecer sua sensualidade–, assim como a constante vegetação e fauna local em suas obras. Por isso o colorido –do qual realizou em algum momento uma definição de cada um–, por isso o sol e a lua. Também por esses motivos invocava muitos outros elementos populares, como seu interesse pelas imagens realizadas pelos fiéis a modo de oferenda à Virgem ou a alguns santos para agradecer milagres, que ela muito bem alude em seu desenho Acidente. Tudo isso, apesar de suas origens se dividir entre seu pai de origem alemã e sua mãe, mexicana. Isto é observado de forma quase narrativa no Quadro Origens, obra onde retrata uma verdadeira árvore genealógica e deixa entrever que em suas raízes existem ambivalências.

Frida e Diego

Seu amor conjugal nunca esteve alheio à excentricidade.

Bem se sabe que foi uma relação cheia de infidelidades e permissividades nem sempre fáceis de compreender. Inclusive marcada pela bissexualidade da pintora –parte de um constante dualismo na obra de Kahlo– a vida conjugal –que foi interrompida em algum momento, para voltar a se casar um ano depois– entre Frida Kahlo e o muralista Diego Rivera foi complemento, cumplicidade e intelectualidade.

Dizem que os pequenos formatos das pinturas de Frida foram uma reação quase rebelde ao formato de mural utilizado por Rivera. Porém, existia uma grande admiração entre ambos, que se alimentava de forma constante e que Frida deixava à vista em muitos de seus permanentes auto-retratos, onde em seguidas ocasiões a imagem de Diego aparece. Inclusive foi ele que a aconselhou que se vestisse dessa forma, para marcar a relação com sua terra.

Apesar das infidelidades, se referindo a seu marido, Frida dizia: "ser a mulher de Diego é a coisa mais maravilhosa do mundo. Eu o deixo brincar de casamento com outras mulheres. Diego não é o marido de ninguém e nunca será, mas é um grande companheiro". E, em algum outro momento disse: "sofri dois grandes acidentes em minha vida: um foi no ônibus, e o outro, Diego”.

Seu último acidente foi a morte. Nunca se soube a causa exata que a levou deixar de existir tão cedo em 13 de julho de 1954.

Arte e raízes

"A revolução é a harmonia da forma e da cor, e tudo está e se move, sob uma mesma lei – a vida–. Ninguém está separado de ninguém. Ninguém luta por si mesmo. Tudo é tudo e um. A angústia e a dor, o prazer e a morte não são nada mais que um processo para existir, a luta revolucionária é uma porta aberta à inteligência".

Com esta frase, Frida explica sua filosofia de vida e sua forma de enfrentar a arte. Porém, nesta revolução existe espaço para o equilíbrio. Novamente, e contrariamente ao que o conceito de revolução implicaria, é ratificada a constante dualidade a contraposição de elementos antagônicos. Por isso, observamos imagens cruentas e, às vezes, chocantes; os coloridos penetrantes e intensos; as figuras que pinta são simples e bem delineadas; os planos, simples. Os objetos – e idéias– se movem de um lado a outro, como se deixando fluir.

Embora seja identificada com o mestiço, o que marca como tendência, quase fanática, são seus desejos por demonstrar que se sente muito mais mexicana; apesar de suas viagens e a sua relação com diversos artistas e intelectuais. Sua tendência esquerdista –inclusive em certo momento foi uma fervorosa militante do Partido Comunista– tem muito a ver com esta convicção.

O mesmo ocorre ao se prestar atenção na relação homem–mulher, que não deixa de nos admirar. Sendo uma mulher avançada, reivindica a imagem potente do gênero como pilar da existência. Inclusive a grande parte de sua obra tem ela própria como protagonista. Muitas vezes a marca feminina toma força, como imagem da mãe-terra, do mundo indígena. Podemos ver mulheres marcando uma presença no quadro e, inclusive, a própria Frida ninando seu marido representado como uma criança –como ocorre em O Abraço de Amor do Universo, a Terra (México), Diego, Eu–. Contudo, nem sempre ocorre o mesmo quando se apresenta especialmente junto dele. Em presença e proporção, sua figura frente a Diego Rivera diminui, quase como em atitude de repressão, talvez também nos lembrando o povo subjugado.

A contribuição de Frida Kahlo na arte latino-americana do século XX é imensurável, já que seu olhar nasce desde o solo que a viu nascer e ela o mantém sem desviá-lo ao exterior. Alguns falam de uma “fridomania” se referindo a seus seguidores mais radicais, mas de seu reconhecimento universal não resta dúvida alguma: suas obras são certamente as mais cotadas entre os representantes da arte da pintura em nosso continente. 


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María José Lacalle
Jornalista licenciada em Estética
Publicado em Mensaje 561, Agosto 2007

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