quinta-feira, 19 de junho de 2014

Barragens e violação de direitos

Pastor Renato Küntzer, da IECLB.
A construção de mega-barragens é geradora de muitos conflitos pelos seus enormes impactos ambientais, sociais, culturais e econômicos. As notícias relacionadas à construção de duas novas megabarragens, Garabi e Panambi, previstas para o já “fragilizado e castigado” rio Uruguai e a falta de informação pública fez com que no final de janeiro e início de fevereiro de 2014 um grupo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) visitasse a região Noroeste, especificamente os municípios de Alecrim e Porto Mauá, dois dos 19 municípios que poderiam ser atingidos. Durante quatro dias, o grupo visitou comunidades e áreas próximas ao rio Uruguai, participou de reuniões, de entrevistas a rádio local e, principalmente, recebeu muitos pedidos de informações acerca dos impactos desses dois barramentos. O que se percebeu foi uma enorme situação de insegurança e incerteza das famílias e das comunidades devido à falta de informações, situação que se repete de forma deliberada por parte dos responsáveis pelos projetos já que quando há alguma informação esta é dada de forma incompleta ou desvirtuada, pelos próprios interessados nas obras.

O editor conversou com o Pastor Renato Küntzer, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) em Três de Maio, onde exerce a função de Pastor Sinodal do Sínodo Noroeste Riograndense. Graduado em Teologia pela Escola Superior de Teologia de São Leopoldo (RS), Küntzer é natural de Ibirubá e reside em Três de Maio desde 1993. Ele tem chamado a atenção nas redes sociais pelos textos em defesa do Rio Uruguai e por sua atuação junto ao MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens)
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Confira a entrevista.


 Por que o senhor é contra as barragens?

Entendo que não seja apenas a minha manifestação pessoal contra o empreendimento Garabi e Panambi. É fruto de todo um envolvimento coletivo de famílias ameaçadas pelo projeto binacional. Não precisamos mais depender exclusivamente de projetos megalomaníacos de hidrelétricas. Há outras possibilidades. Visitei e conheci outras formas de produção de energia na Alemanha. Estão trocando a energia nuclear, responsável por 30% da produção, pelas fontes de energia eólica, solar, biomassa – biodigestores e pequenas centrais hidrelétricas. Aqui é uma questão de decisão política. O alto custo é desculpa para continuar privilegiando as grandes empresas do setor elétrico, cimento e ferro.

Tenho me manifestado como pastor e teólogo, profundamente preocupado com o futuro do Rio Uruguai. Rios acima já têm sete barragens em funcionamento, um projeto parado que é o de Itapiranga. Somando o projeto binacional Garabi e Panambi, serão em torno de mil quilômetros de barramentos. Teremos uma escadaria de lagos, sem água corrente, sem rio. A construção desses empreendimentos significará a morte definitiva do Rio Uruguai. Será o ponto alto do maior crime ambiental do Estado do Rio Grande do Sul. Se o Salto do Yucumã permanecer preservado, terá uma bela utilidade. Poderemos admirá-lo como uma bela coroa funerária de um rio sepultado por sua morte.

Quais as igrejas que estão engajadas na luta contra as barragens?
A Diocese de Santo Ângelo (Igreja Católica) e o Sínodo Noroeste Riograndense (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil) estão envolvidas, em parceria com o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), na tarefa de informar e organizar as famílias ameaçadas pelas barragens. Essa parceria corre já há quatro anos. Ambas se manifestaram condenando os métodos de implantação de projetos que se caracterizam pelo não reconhecimento das populações locais, sonegação de informações, indenizações discriminatórias e não transparentes, indiferença em relação ao ecossistema e desconsideração com as dinâmicas socioculturais presentes e atuantes na região. Assim as Igrejas manifestam seu total apoio às famílias ameaçadas para que se organizem a fim de serem protagonistas e sujeitas de suas decisões frente ao projeto binacional.

Existem movimentos pró e contra as barragens. Há pouco tempo em Santa Rosa, as maiores entidades classistas, representativas da classe empresarial, emitiram nota na defesa do projeto das barragens. Como o senhor avalia isto?

O projeto de viabilidade estima que Garabi e Panambi, juntas, tenham um custo de construção no valor de 5,2 bilhões de dólares e que vão gerar uma série de empregos diretos e indiretos, agitar o setor imobiliário, da construção civil e o setor hoteleiro. Diante dessa conjuntura estão fazendo a sua parte, movidos por interesses particulares, empresariais e classistas. Mas não significa que expressam o interesse e a opinião pública da região e tampouco das pessoas a serem atingidas. A grande parte da sociedade está desinformada, com dúvidas e com perguntas sem respostas.

Por que os maiores veículos de comunicação apoiam o projeto?

Não poderiam ter outra posição. Fazem parte do arsenal de propaganda das grandes empresas e dos projetos megalomaníacos. Desempenham um papel pré-determinado e está de acordo com os interesses do setor energético e do grande capital, fazendo propaganda das vantagens econômicas de sua instalação na região. Ocasionalmente, e excepcionalmente, quando ocorre grande concentração de pessoas, tem havido cobertura jornalística.

O mantra repetido exaustivamente por quem defende o projeto: "as barragens serão um bom negócio para a região, todos vão ser bem indenizados e vai significar o desenvolvimento da região" é uma inverdade? Por quê?

Não é assim como o discurso oficial propõe de que a região é a mais esquecida e pobre do Estado. Se assim fosse, seria uma confirmação da ineficiência de nossos políticos e agentes econômicos. Entendo que não é assim. Vivo aqui há 21 anos e acompanho o desenvolvimento na produção agrícola, industrial, as melhorias na área da saúde e educação. Isto está visível na qualidade de vida.

As barragens provocarão um grande impacto econômico, social e ambiental. Não haverá dinheiro que pague ou compense esses impactos negativos. Do outro lado haverá pessoas, empresas e setores produtivos que irão lucrar com a construção do complexo binacional, para os quais será tratado como um bom negócio. Só que não dá para afirmar que as barragens estão vindo para tirar a região do atraso. Isto não é verdade. Com elas instaladas, os problemas atuais ainda estarão aí para serem resolvidos e a eles serão acrescentados mais os problemas que as barragens provocarão, que são de ordem social, de queda da produção, da perda de recursos públicos e da transferência voluntária ou involuntárias de pessoas. Por que não propor um programa de desenvolvimento sem barragens?

E em relação às indenizações aos proprietários de terras?

Quanto às indenizações, ouve-se com frequência que as famílias receberão bem por suas propriedades e bens. Onde isto está firmado? Quem garante? A experiência de 22 anos de atuação do MAB tem um dado impressionante e assustador. De cada 10 pessoas atingidas por barragens, apenas três chegam a receber sua indenização. O que se esperar do Consórcio Rio Uruguai Energia quando mostra um total desprezo e desinteresse em relação às famílias, as suas dúvidas, incertezas e medos. Não há nenhuma clareza acerca de indenização, reassentamento ou remoção da população. É assim que uma mentira repetida mil vezes passa a ser aceita como verdade.

Como a população pode ajudar para evitar a instalação das barragens?

O meu desejo é de que o rio Uruguai e seus afluentes continuem a correr livremente para poder usufruir de suas belezas. Desejo que os agricultores familiares permaneçam em suas propriedades e permaneçam intocáveis as cidades próximas ao rio. Luto pela preservação dos recursos naturais, fauna, flora, animais terrestres e peixes, criados por Deus, ainda preservados pelos pequenos agricultores neste pequeno paraíso que se mantêm, como oportunidade de lazer de acesso livre e democrático. Estando contra ou a favor das barragens, há que se organizar as pessoas ameaçadas pelas barragens. Não há outro poder senão o da união. Caso não seja possível impedir as obras, há que se ter organizado a população de tal forma que a mesma seja protagonista de seus direitos e não dependa de representantes. Afinal são essas pessoas que estão sendo obrigadas a abrir mão da sua condição de vida e de geração de renda. Estão ameaçadas de ter que abrir mão de tudo o que construíram durante a sua vida sem qualquer garantia de direito expresso claramente. São tratadas como um empecilho a ser removido de qualquer maneira. E boa parte da sociedade tem se comportado segundo a expressão de que pimenta nos olhos dos outros não dói. No mínimo se esperaria da sociedade solidariedade com o sofrimento imposto pelas perdas.

(Com informações do site Sul21 – www.sul21.com.br)

>>Publicado originalmente na edição impressa nº 45 da Revista Afinal.






Um comentário:

Anônimo disse...

Os grandes projetos facilitam os desvios de recursos e as grandes empresas só querem se locupletar. Sobre as justas indenizações das propriedades ninguém se manifesta, querem dar mais um golpe em cima do povo sofrido. Esta quadrilha não respeita ninguém! O Deus deles é o dinheiro!