terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Drogas: projeto equivocado

por Luiz Matias Flach*

Nada evidencia mais as políticas públicas sobre drogas de um país do que a sua legislação. Ainda mais quando é minuciosa, centralizadora e abrangente como o projeto de lei nº 7.663/10, de autoria do deputado federal Osmar Terra, aprovado na Câmara dos Deputados. A legislação proposta inicia a sua trajetória no Senado Federal (PLC 37/13) e altera e acrescenta disposições à vigente lei 11.343/06, que regula a matéria, vindo a afetar, também, a outras legislações.

São fundadas as críticas à forma, espírito e conteúdo do projeto. Introduz um sistema autoritário, centralizador, com pesada burocracia. Modifica e substitui a legislação e políticas existentes de atenção integral aos usuários e dependentes de álcool e outras drogas. Pulveriza a harmonia intersetorial e ações concertadas da União, Estados e Municípios. Cria um aparatoso sistema de financiamento para clínicas e comunidades terapêuticas, inclusive com a ampliação das internações involuntárias, em clima de estrita vigilância dos usuários e dependentes de drogas.

Estabelece insuspeitadas medidas de vigilância e controles em relação aos usuários e dependentes, propondo medidas atentatórias à dignidade das pessoas e a seus direitos fundamentais.

Cria duas novas e mal formuladas causas de aumento das penas, que, na maioria dos casos já são desproporcionais na vigente lei, propiciando penas despropositadas.

Reitere-se a característica autoritária e centralizadora da proposta. Após minuciosas diretrizes para a elaboração das políticas sobre drogas e saúde integral, cria-se um sistema nacional de avaliação das mesmas. Os gestores, operadores e unidades do sistema de políticas sobre drogas, públicos e privados, ficam sujeitados a severas punições administrativas, independentemente das responsabilidades civil e criminal, no caso do desrespeito, mesmo que parcial, ou do “não cumprimento integral às diretrizes e determinações desta Lei, em todas as esferas…”. São distribuídas medidas de fechamento de unidades e interdição de programas, afastamento de seus dirigentes, com comunicação ao Ministério Público. Volta-se a enunciados como sancionar condutas de concurso, “sob qualquer forma, direta ou indireta, para o não cumprimento desta Lei…”.

Ao contrário do afirmado pelo autor do projeto, é piorada a situação dos portadores de drogas para uso próprio e usuário de maneira geral. A vigente lei 11.343/06 prevê como penas para os usuários, a prestação de serviços à comunidade e medidas educativas pelo prazo de 5 meses. Em caso de reincidência: 10 meses. O projeto aumenta para 6 a 12 meses. Em caso de reincidência: de 12 a 24 meses de cumprimento. E introduz para o usuário a restrição de direitos relativos à frequência de determinados lugares ou imposição de cumprimento de horários. O Poder Público estaria obrigado a acompanhar o cumprimento da pena, devendo a sentença designar responsável pelo cumprimento.

Cabe, ainda, referir obrigatórios programas de tratamento de usuários não infratores ou dependentes, as internações involuntárias requeridas “por terceiros”, as majorantes a significarem aumento de penas para miseráveis.

Tudo a desaconselhar a aprovação da equivocada proposta legislativa.



* Juiz de Direito aposentado, ex-presidente do Conselho Federal de Entorpecentes (Confen) e ex- Secretário Nacional de Entorpecentes
Artigo publicado no jornal O Sul em 13/01/14.

fonte: AJURIS


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