quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Manifesto de um sem-vergonha

Otávio V. de Siqueira*

Em minha adolescência, fui tão tímido que seria melhor chamar esta fase da minha vida de vergonhecência. Tinha vergonha de tudo. De conversar, de aparecer, de andar na rua. Das meninas. Pouca coisa resta a um piá feio e tímido a não ser ficar no quarto e fazer dele um refúgio para ouvir as músicas que ninguém mais gosta ou ler alguma coisa enquanto espera a adolescência passar. Mas um dia isso precisa mudar. Ano após ano, a vergonha vai passando. A de conversar, a de aparecer, a de andar na rua. Até a das meninas. Ufa! Mas confesso: perdi vergonhas demais e minha sem-vergonhice só se fez aumentar. Hoje, descobri que sou um completo sem-vergonha. Descaradamente, vou revelar o porquê.

Só um sem-vergonha pode contar que ouve Paul Mauriat e Richard Clayderman, enquanto muitos têm vergonha de admitir que gostam de sertanejo universitário.

Um sem-vergonha dá sua opinião sincera, mesmo que ela seja o inverso do que espera a maioria. Aliás, o sem-vergonha não tem vergonha de ser minoria.

Na República do Pampa, só o sem-vergonha recusa uma cuia e admite que não gosta de mate, enquanto um tímido se queima por falta de prática.

É preciso ser muito sem-vergonha para não ter um perfil no Facebook, enquanto os pudicos postam suas fotos sem rosto tiradas diante do espelho.

O sem-vergonha sabe recusar, enquanto o avergonhado adora tudo que não gosta.

A moda abraça os que têm vergonha de dizer que gostariam de ser mais simples, enquanto um sem-vergonha observa tudo de longe.

O sem-vergonha se dá o direito de ter mais coração do que bíceps.

Um sem-vergonha admite quando está triste, enquanto muito acanhado vive a fingir felicidade.

Sexo por sexo os recatados andam fazendo bastante. Mas só um verdadeiro sem-vergonha consegue dizer “eu te amo” olhando nos olhos de uma mulher.

* Otávio Vicari de Siqueira é publicitário.

 










<> Texto publicado na página 14 da edição nº 42 da Revista Afinal.




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