sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

[cinema] Os olhares clandestinos da infancia

Por Matheus Rodrigues Gonçalves

O filme argentino Infância Clandestina, de Benjamin Ávila, entra desde já para a galeria dos grandes filmes latinoamericanos sobre as ditaduras que assolaram o continente. A exemplo de seus pares Machuca (Chile) e O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias (Brasil), a película argentina narra acontecimentos marcantes da história recente do ponto de vista de uma criança.

Assim como em Machuca, o enredo de Infância Clandestina é baseado na infância de seu diretor: filho de militantes montoneros, Ávila retornou para a Argentina em 1979, aos sete anos, junto de sua mãe e de seu padrasto, que participariam da luta armada contra o regime autoritário. No mesmo ano o padrasto foi assassinado pela ditadura; a mãe é uma das mais de trinta mil pessoas desaparecidas no período.

Não poucas vezes as crianças que passam por tais agruras são incapazes de compreender, no todo ou em parte, o que está ocorrendo à sua volta. Ainda assim, são importantes testemunhas de tempos sombrios de nossas histórias, que por vezes têm um olhar ao mesmo tempo ingênuo e perspicaz da realidade que as cerca. São, sobretudo, para além de meras testemunhas, vítimas dos crueis regimes de exceção latinoamericanos, talvez as vítimas mais profundamente afetadas. Assim é com Machuca e Gonzalo, com Mauro e com Juan.

E não é apenas através da perda de seus pais que as crianças foram atingidas pelas ditaduras na América Latina: há diversos relatos de ocorrência de tortura física e psicológica por parte dos agentes do Estado contra as crianças, no Brasil inclusive. Na Argentina, notórios são os casos de roubo de recém-nascidos, como o mostrado em Infância Clandestina. No Chile, o golpe de 11 de setembro de 1973 foi agressivamente implacável inclusive com as crianças (e em especial as crianças pobres), como é visto emMachuca.

São crianças que crescem traumatizadas, mas – e o caso de Benjamin Ávila é uma prova disso – muitas vezes crescem também dispostas a lutar por Memória, Verdade e Justiça, para que o paradeiro de seus pais seja esclarecido e seus algozes sejam devidamente responsabilizados. É essa sede de justiça que deu origem a organizações como a H.I.J.O.S. (Hijos e Hijas por La Identidad y La Justicia contra El Olvido y El Silencio), que congrega filhos – muitos dos quais sequestrados quando recém-nascidos – de mortos e desaparecidos políticos da ditadura argentina.

Infância Clandestina, tal qual Machuca e O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, é um filme que vale a pena ser visto. Não só por sua beleza estética, boas atuações e história comovente, mas porque passa uma mensagem clara e imprescindível: é preciso lutar. Lutar para que os fatos sejam esclarecidos e para que os repressores sejam responsabilizados. Lutar para que nunca mais aconteça.

Nenhum comentário: