Por Alexandre Haubrich, no blog Jornalismo B:
Abaixo, um imaginado (ou nem tanto) manual prático da velha mídia brasileira sobre como cobrir uma greve. Baseado em fatos reais:
1. Para tentar esvaziar a greve:
1.1. Diga que a greve é “de vanguarda” e que os trabalhadores não foram devidamente consultados;
1.2. Caso você seja obrigado pelos fatos a admitir que houve uma Assembléia Geral, diga que a Assembléia teve pouca participação;
1.3. Diga que a Assembléia que definiu a greve teve grande quantidade de discordantes;
1.4. Faça todo o possível para mostrar os trabalhadores como simples massa de manobra das lideranças sindicais
1.5. Ignore o fato de que as lideranças sindicais são eleitas pelos próprios trabalhadores;
1.6. Ignore a obrigação legal que as lideranças sindicais têm de convocar uma Assembléia Geral para votar uma proposta de greve;
1.7. Afirme, reafirme e repita quantas vezes for possível que a greve está esvaziada, estando ela como estiver.
2. Para pressionar o governo contra os grevistas:
2.1. Escreva que os grevistas estão provocando o governo;
2.2. Diga que o resultado das mobilizações vai demonstrar “quem realmente manda” no governo;
2.3. Garanta que o governo perderá força se ceder às exigências dos grevistas;
2.4. Ameace: escreva que ceder é demonstrar fraqueza, e que governos fracos não se sustentam no poder;
2.5. Coloque a sociedade contra o movimento, fazendo o governante ver que perderá votos na próxima eleição caso ceda.
3. Coloque a sociedade contra o movimento:
3.1. Destaque todos os prejuízos que o cidadão “de bem” terá com a greve;
3.1.1. Se for uma greve de professores, ressalte os danos às férias escolares, ao vestibular e ao aprendizado das crianças;
3.1.2. Caso alguma manifestação dos grevistas interrompa o trânsito, faça imagens do congestionamento, e não esqueça de falar que os “trabalhadores” foram prejudicados por não conseguirem chegar às empresas onde trabalham.
4. Na hora das entrevistas:
4.1. Evite ao máximo entrevistar grevistas. Se precisar fazê-lo, pouco espaço, e apenas no final da matéria;
4.2. Entreviste muitos “populares” prejudicados pela greve;
4.2.1. Se for uma greve de professores, entreviste diretores de escolas preocupados, pais desesperados, e não hesite em procurar desesperadamente crianças que adorariam estar na escola, mas não podem estudar por causa da greve;
4.2.2. Caso alguma manifestação dos grevistas interrompa o trânsito, entreviste motoristas tensos e anti-greve, mas não esqueça de variar com outros que afirmam “até concordarem” com as reivindicações, mas que também precisam ir trabalhar.
5. Na hora da redação da matéria:
5.1. Comece o texto sempre com os problemas que a greve (“os grevistas”) causa à população;
Obs.: Nos casos em que é possível aproximar ações dos grevistas de atos “criminosos”, os transtornos à população devem ceder o primeiro posto e serem transformados em uma segunda questão a ser colocada no texto;
5.2. Esforce-se para mostrar posicionamento das instituições do governo contra a greve;
5.3. As reivindicações dos grevistas devem aparecer em um ou dois parágrafos, no máximo, no fim da matéria;
5.4. Possíveis denúncias dos grevistas devem aparecer sempre acompanhadas de “suposto” ou derivados.
6. Glossário subjetivo:
Grevista = vagabundo
População = desrespeitada
Greve = vagabundagem
Mobilização = baderna
Empresas = coitadinhas
Reivindicações = privilégios
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