quinta-feira, 17 de junho de 2010

Por que Maradona goleia Pelé

Cristina P. Rodrigues*

Em tempos de Copa do Mundo, a comparação entre Pelé e Maradona é inevitável. Por mais que o assunto esteja esgotado, sempre aparece. Não entro no mérito técnico, não quero discutir a qualidade como jogador.

Torço pela Argentina esse ano justamente porque tem Maradona. Tem Cristina Kirchner e tem Maradona. O cara se posiciona diante da vida. Não tem medo de dizer o que defende. É diferente de brigar por qualquer coisa. Dizer o que pensa, ainda mais quando se pensa diferente do que quem costuma mandar, é ter coragem de assumir posição. Maradona vive. Não é um boneco produzido que vive de celebridade. Cometeu muitos erros, mas porque pessoas, aquelas de carne e osso, as de verdade, cometem erros.

Na comparação com Pelé, Maradona dá goleada. Vou deixar Eduardo Galeano explicar: “Os mesmos jornalistas que o pressionam com os microfones reprovam sua arrogância e suas zangas e o acusam de falar demais. Não lhes falta razão; mas não é isso que não podem perdoar nele: na verdade, não gostam do que às vezes diz. Este garoto respondão e esquentado tem o costume de lançar golpes para cima. Em 86 e 94, no México e nos Estados Unidos, denunciou a ditadura onipotente da televisão, que obrigava os jogadores a extenuar-se ao meio-dia, esturricando-se ao sol, e em mil e uma ocasiões, ao longo de toda a sua acidentada carreira, Maradona disse coisas que mexeram em casa de marimbondos. Ele não foi o único jogador desobediente, mas foi sua voz que deu ressonância universal às perguntas mais insuportáveis: Por que o futebol não é regido pelas leis universais do direito do trabalho? Se é normal que qualquer artista conheça os lucros do show que oferece, por que os jogadores não podem conhecer as contas secretas da opulenta multinacional do futebol?”.

Por ousar, por não ter medo de se expor, por questionar os direitos – seus e dos outros – Maradona é muito mais que Pelé, um negro com vergonha de ser negro. Um dedicado a ganhar dinheiro e puxar o saco de quem tem dinheiro. Um astro, em todos os sentidos do termo, inclusive – e principalmente – nos negativos.

————–

Como já disse por aqui, tendo a querer a vitória de seleções de países cujos governos sejam de esquerda. Em seguida, de lugares mais pobres, em que a população tem poucas alegrias dessas que o consumismo define como felicidade. (Brasil descontado, claro)

Esse ano Uruguai estaria entre os meus preferidos. A revelação de que o único bem de Pepe Mujica é um fusca dos anos 80 traz mais poesia a essa figura extraordinária, que tem em sua história a luta pelo país, pelo povo.

Mas Argentina tem Maradona.

Fora que é um país maravilhoso, convenhamos.

* Cristina P. Rodrigues é jornalista e blogueira http://somosandando.wordpress.com (fonte deste texto).

Nenhum comentário: