sábado, 5 de junho de 2010

A linguagem do poder


Marcos Rolim*

Robert Fisk, do “The Independent”, é um dos mais respeitados jornalistas do mundo e acompanha a mais de 30 anos os conflitos no Oriente Médio. Ele recebeu o prêmio “Correspondente Internacional Britânico do Ano” 7 vezes e já foi homenageado em duas oportunidades pela Anistia Internacional com o “Prêmio de Imprensa”.
Fisk representa um tipo de jornalismo para o qual se exige aguda capacidade intelectual, sólidas formações cultural e moral e, ainda, o necessário senso crítico. Uma de suas preocupações diz respeito ao correto emprego das palavras de tal forma que se evite a reprodução emboscada de significados sugeridos pelas ideologias e, especialmente, pelos discursos do Poder. “Eu não uso a palavra “terrorismo”, a não ser entre aspas. Eu não a uso porque é uma palavra totalmente desacreditada. É um dispositivo utilizado para assustar as pessoas, para fazer com que elas acreditem que o Islã é nosso inimigo ou para impor novas leis que permitem prender uma pessoa por 90 dias sem direito a advogado. Esta é a primeira vez que uma guerra foi declarada a um substantivo abstrato – a “Guerra contra o Terror”. O que é o “terror”? Pode ser qualquer coisa. Essa idéia toda de “terror” é uma armadilha. Usar a palavra em um contexto sério é uma armadilha. Se eu vejo uma revista ou um jornal com a palavra “terror” na capa simplesmente não compro, é lixo”.

Em palestra no 5º fórum anual da emissora árabe Al Jazeera, reproduzida por Carta Maior em http://bit.ly/agiwdv, Fisk sustenta que os jornalistas, cada vez mais, estão se tornando prisioneiros da linguagem do poder: “Não existe mais batalha entre o poder e a mídia. Através da linguagem, nós nos tornamos eles. (assim) uma ‘ocupação’ pode se tornar uma ‘disputa; um ‘muro’ pode se tornar uma ‘barreira de segurança’ e a colonização israelense de terra árabe contrária a todas as leis internacionais se torna ‘acampamentos’’. Fisk entende que o processo é contagioso e vai se espalhando pelas redações mesmo quando não há a adesão aos valores pressupostos pela linguagem do poder. Contra isto, ele recomenda aos jornalistas que leiam livros; especialmente livros de história.

Penso que Fisk está coberto de razão. Observe-se, por exemplo, as matérias sobre o ataque à flotilha que levava ajuda humanitária aos palestinos sitiados na faixa de Gaza. Como se sabe, os barcos foram atacados em águas internacionais. Logo, os ativistas não foram “presos” ou “detidos” como lemos nos jornais de todo o mundo, mas seqüestrados. Este, aliás, seria o termo empregado se a mesma operação tivesse sido realizada por Chávez ou Ahmadinejad.

PS - Enquanto isso, no estado mais “civilizado” do país, um novo administrador prisional declarou que, se os presos não se comportarem, terão “benefícios” como a luz nas celas cortados. Faltou alguém observar que iluminação na cela não assinala “benefício”, mas direito elementar, consagrado pela Lei de Execução Penal (§ 2º, art. 45) e por toda a legislação internacional. Faltou jornalismo, diria Fisk.

*Marcos Rolim é consultor em Direitos Humanos e Segurança Pública.

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