sábado, 31 de janeiro de 2009

Debate aberto


Comunicações democráticas

A Conferência Nacional de Comunicação será realizada este ano, anunciou, em Belém, o ministro Luiz Dulci. Convocada a Conferência, a luta pela democratização das Comunicações passa a um outro patamar. Já não se trata mais de gerar críticas e denúncias, mas sim de produzir propostas.

O ministro Luis Dulci anunciou aqui em Belém que o governo Lula realizará a Conferência Nacional de Comunicação no correr deste ano. Não fixou data. Os acertos de detalhe serão feitos, numa reunião com o ministro Helio Costa, das Comunicações, no próximo dia 3 de fevereiro. Parece que Dulci será um protagonista importante no processo. E isso é bom sinal.

Convocada a Conferência, a luta pela democratização das Comunicações, no Brasil, passa a um outro patamar. Já não se trata mais de gerar críticas, denúncias, acusações. Trata-se de produzir propostas. Propostas que possam ser incorporadas a um projeto de lei a ser votado e aprovado no Congresso Nacional, derrogando e substituindo, para melhor, todo o marco legal que hoje regulamenta as comunicações brasileiras. No pacote, irão de roldão não apenas o Código de 1962 (que já não vale mais nada), mas também a Lei do Cabo de 1995 e a Lei Geral de Telecomunicações, de 1997.

A Conferência não se esgota nela mesma. É a consumação de um processo e início de outro. Conclui uma fase iniciada antes da Constituição de 1988, fase esta, no que interessa ao processo democrático, que pouco avançou desde então. Ao contrário. A regulamentação da Constituição no sentido de tornar realidade os princípios de seus artigos 220 e 221, jamais foi feita. O Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional não funciona há mais de dois anos e nunca chegou a ser, realmente, um organismo relevante. Por outro lado, nos últimos dez anos, avançaram várias reformas neo-liberais, como a Lei do Cabo e a Lei Geral de Telecomunicações, ao mesmo tempo em que permanece formalmente em vigor (salvo nos dispositivos expressamente revogados pela LGT – isto é, quase todos) o vetusto Código de 1962.

Se no passado, já não se explicava o tratamento fragmentário das Comunicações, em nossos tempos atuais, menos ainda tal se justifica. Precisamos tratar as Comunicações como uma totalidade, na qual não importa o meio, importará que a mensagem possa ser produzida por todos e todas, e ser acessada por todos e todas. Evidentemente, cada unidade desses todos e todas produzirá sua mensagem, ou a ela acessará, pelo meio que lhe seja mais conveniente ou esteja mais ao alcance. É muito provável que a internet e demais tecnologias digitais que barateiam a produção e reprodução da informação, venham a ser as principais ferramentas desse movimento radicalmente democratizante. Mas até por isso mesmo, a regulamentação (democrática) da internet e políticas públicas favorecendo e fomentando o acesso popular às tecnologias digitais de informação e comunicação (TICs) terão que ser colocadas no centro do debate democrático.

Assim, por exemplo, será a universalização e democratização do acesso às TICs que norteará o projeto democrático, não a competição e o mercado. Os recursos de acesso deverão ser considerados públicos, não importa se operados por agentes privados ou estatais (salvo, claro, os recursos evidentemente privativos, como redes de condomínios ou intranets empresariais). Entre esses recursos se encontram o espectro de freqüências, inclusive as operadas pelas operadoras de celular, e as redes de cabo que se destinam a atender indiferenciadamente a todas as residências, empresas e instalações públicas – hoje, ainda, as ultrapassadas redes de telefonia fixa, mas, a partir de agora as redes cabeadas de banda-larga, substitutas dessa velha telefonia. 

Nenhuma dessas idéias implica acabar com a mídia comercial. Apenas se pretende ampliar, e ampliar muito, o espaço social para a mídia não-comercial, seja a estatal, seja, sobretudo, a produzida pelos movimento populares. Em princípio, não deveria ser um projeto muito difícil de se consumar. Dadas as características da nossa sociedade, não se espera que a mídia comercial (inclusive as novas, via internet ou celular), possa se sentir economicamente muito ameaçada pela agenda democrática.

O problema é outro: informação é poder. A ameaça não é econômica, mas política, pois a democratização do acesso à informação é condição sine qua non da democratização da própria sociedade. Não são apenas as grandes redes de TV ou operadoras de telecom que se opõem ao projeto democratizante. É todo o sistema vigente de poder (do qual essas redes e operadoras são mediadoras e articuladores) que se opõe ao processo. Este sistema também participará da Conferência. Também colocará nela o seu projeto de sociedade e suas propostas de marco normativo.

O debate será duro. E não se esgota na Conferência. Esta deverá concluir-se no avanço possível, mas este avanço precisará vir a ser concretizado nas letras da lei. Será necessário, pois, que o movimento popular comece a construir um projeto político-legal que articule as suas múltiplas e diversificadas demandas, a muito reprimidas, num conjunto coerente e exeqüível que sirva de base para o debate, na Conferência, da nossa futura Lei Geral das Comunicações Democráticas.


Marcos Dantas é professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, doutor em Engenharia de Produção pela COPP-UFRJ e autor de “A lógica do capital-informação: da fragmentação dos monopólios à monopolização dos fragmentos num mundo de comunicações globais” (Ed. Contraponto).


Fonte: Carta Maior

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