O editor
entrevistou o médico Carlos Eduardo Accioly Durgante (foto), 49 anos, natural de Santa
Maria e com forte vínculo afetivo com Santa Rosa. Por aqui ainda residem
primos, tios e seu avô foi juiz nesta cidade por longos anos, inclusive deu
nome à rua Pretextato Accioly.
Dr. Carlos
Eduardo é médico com especialização em geriatria, professor em pós-graduação do
curso de Saúde e Espiritualidade, na Faculdades Monteiro Lobato, em Porto Alegre.
Casado, dois
filhos, autor dos livros: Planejando o Futuro; Fé na Ciência; Velhice: culpada
ou inocente? e Luz, Câmera…Ação! A Vida Entra em Cena. Organizador
dos livros: Conectando Ciência, Saúde e Espiritualidade e Práticas
Complementares na Promoção da Saúde Integral.
Palestrante
espírita, ele veio a Santa Rosa para abordar o tema “A Espiritualidade como
dimensão imprescindível no processo do viver envelhecendo”.
É possível envelhecer com
felicidade?
Uma felicidade plena, perene, só será possível
após muito aprendizado através de muitas existências da alma. Mas uma
felicidade relativa é possível, sim. Vejam o resultado de uma pesquisa feita
pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUCRS, publicado há um ou dois e
anos atrás, onde em torno de sete mil idosos responderam que: se percebem otimistas, veem sua saúde como
ótima ou boa, dormem e se locomovem bem, assistem, em média, três horas de TV
por dia e passam uma hora lendo jornal. A grande maioria se sustenta, mora na
zona urbana, procura votar nas eleições e dá uma importância fundamental ao seu
credo/crença religiosa.
O que muda biológica, emocionalmente e
espiritualmente ao chegarmos à velhice?
Biologicamente,
assim como tudo na natureza, o corpo sofre inúmeras transformações, desde a
pele e os cabelos, até funções dos diversos sistemas e órgãos que o compõe.
Afinal de contas não somos feitos de vidro ou de acrílico, que são materiais
que podem levar centenas de anos para se decomporem. O processo de
envelhecimento físico é inexorável. Temos condições de desacelerá-lo, não
evitá-lo. Os avanços médico-científicos e tecnológicos estão aí para
proporcionar mais qualidade e dignidade na velhice. As transformações mais
importantes se dão no campo dos sentimentos e emoções e nas demandas da alma.
Muitos
estudiosos, a maioria deles psicólogos e neurocientistas de diversas
universidades canadenses, norte-americanas, e europeias vêm, nos últimos anos, tentando
colocar por terra certos mitos relativos ao envelhecimento.
Afirmam que, do
ponto de vista puramente estatístico, um significativo número de pessoas se
torne mais confiante e afável com o avançar da idade. Isto pode explicar a
crescente maturidade que o ser humano adquire pelo simples processo de
envelhecer.
Outras
constatações merecem relevância: como a de que com o avançar da idade muitas
pessoas se tornam mais conscienciosas, tranquilas, estáveis e menos
atormentadas pelos próprios sentimentos. Acredita-se que elas possuam um maior
controle sobre as emoções que os mais jovens.
Já do ponto de
vista espiritual, há uma maior busca pelas questões transcendentais da
existência. A espiritualidade é uma dimensão humana muito importante e
valorizada no envelhecimento. A
Espiritualidade é capaz de responder as demandas da alma e proporcionar
significado e propósito de vida, confortar, aliviar a ansiedade, dar segurança
emocional e espiritual para as pessoas
que compartilham seus significados, auxiliando no enfrentamento de
doenças físicas, transtornos psíquicos, sofrimentos e limitações das mais
diversas, que são próprias da velhice.
O que significa esta fase (velhice) da
vida na nossa existência como seres eternos que somos?
O destino do ser
é exatamente esse, a eternidade, mas essa, não se conquista em uma única
existência da alma, em uma única experiência vivencial.
A escritora
espírita Dora Incontri afirma que quem envelhece de modo apropriado é capaz de
entender o conjunto da vida que é uma preparação para o encontro com Deus.
Quando o indivíduo estiver consciente deste destino eterno e tiver acumulado
experiências proveitosas e puder repartir com os mais jovens o testemunho de uma vida exemplar, o declínio
físico pouco importará.
A oportunidade da
vivência da velhice é um convite para que exercitemos alguns valores nobres do
espírito ou da alma humana como a tolerância com a gente e com os outros, o
desapego aos bens materiais, a paciência, a bondade, a benevolência, a gratidão
e o perdão. Enfim, nos propiciar mais uma chance para um olhar interior, um
olhar para o todo da existência. É um estágio indispensável à Completude da
Vida!
Quais as diferenças entre a velhice de
tempos atrás e a velhice nos tempos atuais?
A primeira
diferença marcante era que poucos, ou a minoria das pessoas alcançavam a
terceira idade. Aos que chegavam aos 60 anos, não viviam tanto tempo como hoje
( em média 74 anos, sendo que em algumas
regiões do país, as mulheres têm uma expectativa média de vida de quase 80 anos
).
Atualmente, os
avanços médico-científicos e tecnológicos estão proporcionando uma vida mais
longa, com mais independência funcional e qualidade de vida, ou seja, mais
satisfação e principalmente um maior bem-estar.
Acredito que a
velhice de hoje é mais valorizada, pelas gerações mais jovens e pelos próprios
idosos, pois hoje encontramos cada vez mais pessoas de 70, 80 e até com mais idade,
realizando anseios, sonhos que não puderam ser realizados em outros ciclos da
vida, devido a uma série de questões pessoais, familiares, profissionais. Estão
voltando a estudar, estão interagindo ativamente nas redes sociais (não só no Facebook
ou no Twitter), mas nos diversos
grupos sociais e culturais, bem como em atividades esportivas, artísticas e
lúdicas. Estão deixando de lado os “crochês”, os
“tricôs”, os jogos de dama ou bocha, ou simplesmente as “obrigações” de cuidar
ou somente divertir os netos!
Eu acredito que
a velhice de hoje esteja sendo bem melhor vivenciada que a de nossos
antepassados.
O senhor escreveu um livro intitulado
"Velhice: Culpada ou Inocente?" Poderia nos explicar essa dualidade?
Esse simbolismo
que utilizei foi para que façamos uma reflexão a respeito de como estamos
construindo essa fase da existência. Já que a velhice é uma construção muito
mais individual que coletiva. Se a opção de construirmos a velhice for a de
lamentarmos pelo que de bom deixamos para trás, em outros ciclos passados, ou
nos colocarmos no papel de vítimas das vicissitudes da vida, bom, a velhice
será culpada. Agora, se a decisão de fazermos dessa fase, um período a celebrar
o que de bom se conquistou e que ainda poderá ser conquistado... será inocentada!
A velhice pode ser considerada um castigo
ou ela é necessária para nossa trajetória? Como evoluirmos na velhice?
Poderemos olhar a
velhice à luz do espiritismo e compreender que provavelmente estejamos vivendo
ou viveremos a nossa primeira experiência da velhice nas inúmeras reencarnações
pelas quais passamos. Afinal de contas, a expectativa média de vida até meados
do século passado ficava bem abaixo dos 60 anos de idade. Se optarmos por esse
olhar, ou por essa compreensão da pluralidade das existências da alma,
poderemos contribuir decisivamente para que esse espírito se mantenha lúcido,
ativo e entusiasmado com os propósitos que essa etapa da vida requer!
Conclusão
Concluo com
essas sábias palavras de um grande filósofo da doutrina espírita:
“Sede irmãos,
ajudai-vos, sustentai-vos na vossa marcha coletiva. Vosso alvo é mais elevado
que o desta vida material e transitória, pois consiste nesse futuro espiritual
que deve reunir-vos todos como membros de uma só família, ao abrigo de
inquietações, de necessidades e males inumeráveis. Procurai, portanto
merecê-los por vossos esforços e trabalhos.” (Léon Denis)
Um comentário:
É na velhice onde o espírito começa a refletir sobre a trajetória percorrida e ver se foi satisfatória ou não, dependendo de como ele desenvolveu suas aptidões, cumpriu com o traçado na espiritualidade. E dentro dessa reflexão, ter momentos de lucidez espiritual para pedir ao Pai que permita ainda que tardio - mais que vale muito ainda – a oportunidade derradeira dessa existência para de redimir.
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