segunda-feira, 29 de março de 2010

ESCREVER É A ARTE DE CORTAR PALAVRAS


DE QUE MESTRE DAS LETRAS TERIA PARTIDO ESSA PRECIOSA LIÇÃO?

POR ARMANDO NOGUEIRA

Escrever é cortar palavras. Passei alguns anos certo de que o autor dessa preciosa máxima era Carlos Drummond de Andrade. Até que um dia perguntei ao poeta. Ele conhecia, mas negou que fosse dele. Confesso que fiquei desapontado. A sentença tinha a cara do mestre Drummond, cuja prosa é um exemplo de concisão.

Otto Lara Resende desconfiava que pudesse ser de um escritor mexicano a ideia da dica preciosa. Eu, por mim, seria capaz de atribuí-la a John Ruskin, notável escritor e crítico inglês do século passado. Se não o disse, com todas as letras, certamente foi Ruskin quem melhor ilustrou o adágio, num conto antológico. É o caso de um feirante de peixes num porto britânico.
O homem chega à feira e lá encontra seu compadre, arrumando os peixes num imenso tabuleiro de madeira. Cumprimentam- se. O feirante está contente com o sucesso do seu modesto comércio. Entrou no negócio há poucos meses e já pôde até comprar um quadro-negro pra badalar seu produto.

Atrás do balcão, num quadro-negro, está a mensagem, escrita a giz, em letras caprichadas: HOJE VENDO PEIXE FRESCO. Pergunta, então, ao amigo e compadre:

- Você acrescentaria mais alguma coisa?

O compadre releu o anúncio. Discreto, elogiou a caligrafia. Como o outro insistisse, resolveu questionar. Perguntou ao feirante :

- Você já notou que todo o dia é sempre hoje? - E acrescentou: - Acho dispensável. Esta palavra está sobrando...

O feirante aceitou a ponderação: apagou o advérbio. O anúncio ficou mais enxuto. VENDO PEIXE FRESCO.

- Se o amigo me permite - tornou o visitante -, gostaria de saber se aqui nessa feira existe alguém dando peixe de graça. Que eu saiba, estamos numa feira. E feira é sinônimo de venda. Acho desnecessário o verbo. Se a banca fosse minha, sinceramente, eu apagaria o verbo.

O anúncio encurtou mais ainda: PEIXE FRESCO.

- Me diga uma coisa: Por que apregoar que o peixe é fresco? O que traz o freguês a uma feira, no cais do porto, é a certeza de que todo peixe, aqui, é fresco. Não há no mundo uma feira livre que venda peixe congelado...

E lá se foi também o adjetivo. Ficou o anúncio, reduzido a uma singela palavra: PEIXE.
Mas, por pouco tempo. O compadre pondera que não deixa de ser menosprezo à inteligência da clientela anunciar, em letras garrafais, que o produto aí exposto é peixe. Afinal, está na cara. Até mesmo um cego percebe, pelo cheiro, que o assunto, aqui, é pescado...

O substantivo foi apagado. O anúncio sumiu. O quadro-negro também. O feirante vendeu tudo. Não sobrou nem a sardinha do gato. E ainda aprendeu uma preciosa lição: escrever é cortar palavras.

Fonte: Portal Imprensa http://portalimprensa.uol.com.br

quinta-feira, 25 de março de 2010

A Alstom e a acrobacia do Estadão


Publicado em 25-Mar-2010

Ao ver a manchete "Três executivos da Alstom são presos no Reino Unido" no Estadão de hoje, confesso a vocês que fiquei curioso: qual acrobacia o jornal dos Mesquitas faria para dar a notícia sem associá-la a seu editor-mór, José Serra, governador de São Paulo e candidato ao Palácio do Planalto?

Dito e feito: a matéria não lembra aos leitores do Estadão, em uma única linha sequer, que a Alstom é processada pela Justiça na Europa (França e Suíça) acusada de em troca de contratos com estatais ter pago milionários subornos aos políticos do PSDB paulista e aos integrantes dos governos tucanos de Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra.


Na matéria nada, absolutamente nada, sobre os tucanos que receberam a propina da Alstom! Todos foram ocultados pelo termo "funcionários públicos brasileiros". Vejam: "Três executivos do Conselho da Alstom foram presos no Reino Unido por suspeita de pagar ou deter informações do pagamento de propinas a funcionários públicos brasileiros e de outros países em troca de contratos".

Segundo as investigações, o dinheiro pago aos tucanos paulistas garantia a vitória da Alstom em contratos públicos como os do metrô, CPTM e Eletropaulo. Por mais que o PSDB queira esconder e impeça a instauração de uma CPI para apurar o caso, hoje todos sabem do episódio. Da mesma forma, têm conhecimento do superfaturamento do metrô de Brasília, no governo de José Roberto Arruda do DEM, o candidato a vice-presidente sonhado por Serra e agora preso na Polícia Federal.

Agora, o que nem o Estadão, nem os tucanos parecem saber é que o povo não é bobo. Sabe do conluio Alstom-PSDB-governos tucanos paulistas e da política do PSDB de controle da mídia - vide notícias como essa - e de impedir a criação de uma CPI.


Fonte: www.zedirceu.com.br

domingo, 21 de março de 2010

Cuba, esquerda e liberdade


Por Eugênio Bucci em 17/3/2010

Muitos apontaram o vazio silente, nas fileiras da esquerda, em relação ao que se passa hoje em Cuba. Após a fala desastrosa do presidente da República, que comparou os presos políticos em greve de fome a criminosos comuns, a indagação ganhou mais corpo: a esquerda brasileira não vai protestar contra nada disso? Entre os que levantaram a pergunta, citemos duas pessoas, apenas duas. A primeira é Fernando Barros e Silva. Ele tratou disso em sua coluna na página 2 da Folha de S. Paulo, na sexta-feira (12/3). O título era particularmente ácido, com nada além de três pontos de interrogação enfileirados: "???". Eis um trecho da coluna:

"Seria demais exigir a retratação pública do presidente por igualar as vítimas de uma ditadura que liquidou seus opositores aos presos comuns de um país democrático? Seria demais pressionar o governo brasileiro para que interceda em favor de dissidentes presos arbitrariamente e/ou a caminho da morte? Seria demais reafirmar (ou assumir, no caso de alguns) a defesa da democracia e dos direitos humanos como valores universais? O silêncio de certa intelligentsia, que insiste em tratar Cuba como um caso à parte, uma ilha da fantasia rodeada de piratas, é tão cúmplice das atrocidades de Fidel e seu asseclas quanto a fala boçal de Lula. Até quando a esquerda nativa (com exceções honrosas) vai encarar a crítica à tirania cubana como uma pauta da direita? Até quando irá confundir o justo apelo dos dissidentes com a `máfia de Miami´? Até quando irão invocar avanços sociais hoje mais do que duvidosos como pretexto – aí, sim – para justificar os horrores do regime? O dissidente Guillermo Fariñas precisará morrer – ou nem isso bastará para romper a omissão criminosa?"

O segundo nome que merece registro é o do filósofo Renato Janine Ribeiro, que se manifestou por meio de uma carta, publicado no Estado de S. Paulo de sábado (13/3):

"Dissidente não é bandido

"A política tem limites éticos. Mesmo apoiando em muitas de suas ações o governo Lula, não posso calar-me quando o presidente da República defende a repressão praticada pela ditadura cubana contra pessoas que reivindicam direitos elementares como a liberdade de expressão, de organização e de voto. Esses valores são universais e não podem estar subordinados ao ditador do momento. Muita energia foi necessária para conquistar a democracia em nosso país e em outros, de modo que não concordo que se faça pouco-caso daqueles que, pondo em risco a própria vida e a de ninguém mais, se empenham em democratizar países que jazem sob a repressão. Ditaduras são nefastas. São indefensáveis. Lutar contra elas é digno."

Renato Janine Ribeiro não desafiou a esquerda a se apresentar: ele mesmo, individualmente, antecipou-se e afirmou não poder se calar quando o presidente da República defende a ditadura cubana.

No mais, a ausência de protestos – e deveriam ser protestos contundentes – é no mínimo embaraçosa. Ela está aí, posta feito um monumento em praça pública. Trata-se de uma ausência material, pesada e sólida como chumbo. Mas não é por ela, nem para ela, que escrevo agora. Eu mesmo já tive ocasião de deixar clara minha indignação com o regime cubano, desde uns 20 anos, pelo menos, e não me ocupo disso nesse momento. Escrevo por outra razão, quero dizer, por algo que repousa na base desse debate: escrevo para discutir o lugar da idéia de liberdade nos debates que vêm acontecendo neste Observatório e, para isso, o episódio de Cuba vem muito a calhar. Por isso é que me valho da ditadura dos irmãos Castro como um "gancho" – ou um pretexto, ou um ponto de entrada. Vamos lá.

O que é mesmo ser de esquerda?

Em seu artigo, Fernando Barros e Silva, levanta um questionamento que parece coisa passageira, mas é estrutural:

"Até quando a esquerda nativa (com exceções honrosas) vai encarar a crítica à tirania cubana como uma pauta da direita?"

Essa obsessão, própria de um "espírito de turma" bastante enraizado nos ambientes da esquerda brasileira, esse cacoete de defender Cuba apesar de alguns "problemas" no quesito direitos humanos chegou a tal ponto que, hoje, quando falamos em uma esquerda que proteste contra o regime cubano parece que incorremos numa contradição em termos. É como se não houvesse nem pudesse haver gente de esquerda que não batesse palmas para as prisões cubanas.

Assim, o apoio incondicional à ilha virou um critério para separar o que é ser "de esquerda" do que é ser "de direita". É irracional, mas ficou assim mesmo. Alguém que se insurja contra as prisões, as perseguições e as execuções em Cuba só pode ser "de direita".

Logo, nada mais automático: as dezenas, centenas de intelectuais "de esquerda" não assinarão um documento contra Fidel e Raul Castro porque, no instante seguinte, serão vistos como correia auxiliar da máfia asquerosa de Miami e, aí, terão passado para o campo da direita. O que lhes seria insuportável.

Com medo do insuportável, com medo de serem apontados na rua como gente a serviço da direita, protegem-se em desculpas táticas. Costumam ponderar que Cuba é uma "questão complexa". Culpam o imperialismo pela falta de democracia em Cuba – sem se dar conta de que, assim, admitem que não há democracia em Cuba. Insistem nas tais "conquistas sociais" do regime de Havana: postos de saúde, escolas, moradia e outros benefícios que já não podem ser bem mensurados, pois não há estatísticas confiáveis.

Entre as "conquistas sociais" jamais incluem os direitos políticos, como fazer oposição, votar, criticar, pensar diferente, escrever e publicar opiniões divergentes, viajar para fora do país e, uma vez fora do país, falar mal do governo livremente. A boca pequena, chamam a tudo isso de pretensões pequeno-burguesas; chamam de veleidades que, para o povo, não fariam a menor diferença: o povo gosta é de comida, quem gosta de liberdade é intelectual (de direita, naturalmente). É verdade que até comida andou faltando na ilha, mas isso eles não comentam.

Uma vez eu disse a um grande amigo, defensor ferrenho do tal socialismo castrista, que numa penitenciária decente os presos podem comer três vezes ao dia, ter boas camas, celas limpas e até dentista de plantão e que, não obstante, todos estão encarcerados, não dispõem de liberdade. Apesar da agressividade do meu argumento – que comparou Cuba a uma penitenciária – o meu amigo até concordou, mas respondeu que preferia fazer suas objeções diretamente aos burocratas, em Havana, com os quais sempre manteve boa convivência. Até hoje, ele se recusa a fazer críticas públicas. Por quê?

A pergunta nos ajuda a aprofundar um pouco mais a investigação dessa idolatria de Fidel Castro entre homens e mulheres tão esclarecidos e de espírito crítico tão afiado. Quando seus argumentos se esboroam, eles finalmente se refugiam numa adaptação superficial do conceito de luta de classes. Falam que, no fundo, o que existe hoje no mundo são dois, e apenas dois lados: o primeiro é aquele do imperialismo ianque (a direita, claro); o segundo lado é o de todos aqueles que são contra o imperialismo ianque (a esquerda e alguns agregados conjunturais).

Simplista, não? Pois é assim que veem. A partir disso, afirmam que não vão "dar força para a direita". Pelos mesmos motivos, não criticam os excessos do Irã e da Venezuela, como se sabe. Afinal, são todos anti-imperialistas e, conseqüentemente, aliados.

Mais liberdade, mais justiça social

Indo ao ponto: quem é um preso político em greve de fome para ousar desequilibrar o jogo a favor do imperialismo? A mesma mentalidade responde, com seu silêncio servil: ele não é ninguém, ele que morra e não nos aborreça. Segundo esse padrão de valores morais, a liberdade até que é boa, mas não pode ser assim tão universal. Ele deve depender da opinião política do freguês. Se o sujeito é contra Fidel Castro, não tem direito a passaporte, que fique bem claro. Renato Janine Ribeiro, quando afirma que "liberdade de expressão, de organização e de voto são valores universais, que não podem estar subordinados ao ditador do momento", expõe a ferida. E sabe que expõe.

A mesma ferida, a mesma postura obscurantista, não se restringe a Cuba, evidentemente. Ela passa por aqui, bem próxima de nós, e dá o tom de muitos dos debates deste Observatório. Eu mesmo tenho sido testemunha. Quando critico uma conduta jornalística de algum grande veículo, colho aplausos ideológicos dos que, na verdade, são contrários à tal "grande mídia" e identificam a instituição da imprensa com os órgãos mais tradicionais, cometendo um erro primário (a instituição da imprensa, eu sempre repito, é maior, mais alta e mais funda que a mera somatória dos veículos).

De outro lado, quando defendo a liberdade dos grandes jornais contra os interesses do governo, recebo ataques dos que me acusam de defender as elites, num outro erro crasso que cometem (não sabem que, ou bem a liberdade existe para todos, de modo universal, ou não existe para ninguém).

Isso não significa que eu queira brigar com leitores. De jeito nenhum. O meu papel é apenas alertar. Muitas vezes, sem se dar conta, alguns defendem uma lógica segundo a qual os "benefícios sociais" (luz elétrica, escola, hospital etc.) são mais importantes que as liberdades. Segundo esse modo de ver as coisas, se há jornalistas abusando da liberdade para atacar um governo que promove os "benefícios sociais", é preciso fechar um pouco a torneira dessa liberdade aí.

O engano é colossal. Seus adeptos não pararam para pensar que não há um só caso na História (com "H" maiúsculo, vá lá) em que algum benefício social tivesse resultado de alguma restrição política. Sempre o que se viu foi o contrário. A liberdade, quando garantida para todos, gera justiça social. Quanto mais liberdade, mais justiça social. Não há um único episódio em que a liberdade tenha obstruído a justiça social. Os chamados "benefícios sociais" não implicam e não podem implicar "sacrifícios políticos". Ninguém sério acredita nesse embuste, a não ser em ilhas da fantasia – ou do pesadelo.

Morrer de fome, fome de liberdade

O cenário no Brasil fica um pouco mais grave quando os ataques contra a liberdade de imprensa brotam de setores em aliança com o Poder Executivo. Em defesa de interesses de governo, alguns, em nome do povo, da sociedade civil ou dos movimentos sociais, advogam o controle estatal dos conteúdos jornalísticos. Outra vez, não sabem o que fazem. Não sabem que esse tipo de histeria populista pode gerar bases sociais para medidas autoritárias – o que seria um desastre.

Governo – bom o mau, não importa – deve ser fiscalizado pela imprensa. Isso não faz dele um inimigo da imprensa, nem faz da imprensa a sua inimiga. Apenas é assim que a democracia funciona melhor. Sem compreender essa dinâmica, muitos acalentam como utopia uma ordem totalitária – sem ter consciência disso.

Quanto às autoridades do governo, estas não podem dizer que não têm essa consciência. Quando silenciam diante de manifestações agressivas contra a liberdade de imprensa, estão agindo de má fé e ferindo os princípios democráticos. O pior que pode acontecer é um governo que estimule a intolerância contra jornalistas. Fiquemos atentos.

A liberdade, é bom a gente saber, não existe para os que concordam com o governo, seja qual for o governo. Ela existe para assegurar o lugar dos que divergem, dos que criticam, dos que querem mudar tudo. Defender a liberdade é defender a voz dos que não concordam – e defender a voz dos que não concordam é defender a nossa liberdade, mesmo quando nós mesmos concordamos com o governo. Nós só somos livres quando nossos adversários são livres. Se fosse o oposto, quero dizer, se se tratasse de garantir apenas os direitos dos que concordam, qualquer Fidel Castro seria um defensor da liberdade. Qualquer Fidel Castro é capaz de conceder até mesmo passaporte para aqueles que o bajulam.

O que faz a diferença é defender o lugar dos que fazem oposição. Eis aí o primeiro compromisso dos que dizem defender a imprensa: assim como o primeiro dever do jornalista é ser livre, o primeiro dever dos que defendem a imprensa é defender a liberdade do jornalista. Quando se diz que a liberdade de imprensa é motor e indício das demais liberdades, é disso que se trata. Em Cuba não existe a liberdade de imprensa, assim como não existem outras liberdades. E, mesmo assim, alguns ainda insistem em dizer que aquilo lá é defensável.

Sim, há uma perspectiva de esquerda para fazer oposição à ditadura em Cuba. E essa perspectiva é a defesa radical da idéia de que a pessoa humana pode e deve ser livre. Não é pedir tanto assim. Mas a esquerda brasileira logrou essa façanha memorável, qual seja, a de deixar, a de entregar de bandeja toda a agenda da liberdade para os representantes da direita. Com isso, perdeu a esquerda. Com isso, perdeu a liberdade. Com isso, perdeu a nossa democracia.

Mas vamos em frente. E façamos figa para que, em Cuba, ninguém mais morra de fome. De fome de comida. De fome de liberdade.


Fonte: Observatório da Imprensa www.observatoriodaimprensa.com.br

sexta-feira, 19 de março de 2010

Juiz diz que Yeda e filha expuseram menores à imprensa


O juiz Jorge André Pereira Gailhard, da 13ª vara Cível de Porto Alegre, considerou improcedente a ação ajuizada pelo menor João Guilherme – representado por sua mãe, Tarsila Rorato Crusius – contra o jornalista André Machado, da RBS, pela publicação de uma foto em seu blog. Segundo informações do site Espaço Vital, a sentença foi proferida terça-feira, 16 de março, sendo a primeira de uma série de ações movidas contra jornalistas e empresas de comunicação pela mesma razão, a saber, a publicação de fotos de um protesto realizado dia 16 de julho de 2009, em frente à casa da governadora Yeda Crusius. Nas fotos em questão, a governadora Yeda Crusius e sua filha, Tarsila Crusius, aparecem, ao lado dos netos, discutindo com os manifestantes em frente à residência.

Conforme nota publicada no Espaço Vital, o juiz André Pereira Gailhard concluiu que “a exposição inadequada do menor aos meios de comunicação foi proporcionada pelos seus próprios responsáveis, não podendo o requerido ser penalizado pela divulgação da fotografia em seu blog, eis que o menor encontrava-se em meio ao confronto da governadora, sua avó, com os manifestantes do CPERS”. O juiz avaliou ainda que “o jornalista não vinculou a fotografia do infante a fatos desabonatórios ou que pudessem lhe acarretar situação vexatória perante terceiros”. “Da leitura da reportagem contida no blog, percebe-se o claro animus narrandi do requerido, o qual expôs os fatos sem manifestar qualquer juízo de valor acerca da conduta da governadora, sequer mencionando o nome do menor autor da ação judicial”.

A ação movida contra jornalistas
A ação pede a condenação do jornalista ao pagamento de indenização por danos morais, alegando, entre outras coisas, que “o autor experimentou os efeitos danosos resultantes de ter sua imagem, privacidade e intimidade devassadas, os quais foram agravados em virtude da mensagem subliminar nela compreendida, eis que o requerente e sua avó aparecem atrás das grades”. Em sua resposta, a defesa de André Machado cita o art. 5°, IV e XIV, da Constituição Federal, que assegura a liberdade de expressão e informação e o artigo 220, segundo o qual a manifestação de pensamento, criação, expressão e informação não sofrerão qualquer restrição. E sustenta que o jornalista se limitou a noticiar o fato ocorrido em frente à casa da governadora Yeda Crusius, avó do demandante, não havendo qualquer conotação ofensiva ao menor.

A defesa sustenta que o menor foi levado para o local por aqueles que deveriam tê-lo afastado de lá (a mãe e a avó), e sua presença acabou compondo a notícia. Se houve afronta ao Estatuto da Criança e Adolescente, diz, “foi gerada exclusivamente pela mãe e avó do demandante, as quais usaram o menor como escudo às agressões dirigidas à pessoa pública da Governadora”. E acrescenta: “por liberalidade de sua mãe e de sua avó o autor foi conduzido para o portão da casa onde reside a família, sendo com ela fotografado (...) Na foto em tela, a Sra. Governadora porta um cartaz com os dizeres “Vocês não são professores. Torturam crianças. Abram alas que minhas crianças têm aula”, sendo que a última expressão reflete que Yeda e Tarsila pretendiam sair de casa de qualquer forma, usando as crianças que deveriam estar protegidas em casa”.

Desatenção da mãe e da avó com o ECA
Os menores em questão, assinala ainda a defesa, “são pessoas públicas, sendo que na campanha que elegeu Yeda governadora os mesmos foram utilizados como um dos motes eleitorais, pois nascidos no RS, em resposta ao fato de a candidata ser paulista”. E ressalta “a desatenção da mãe e da avó acerca dos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente”. Um eventual emprego de técnica para distorcer o rosto do menor na foto, diz, “não impediria a identificação do menor, por ser pessoa pública e porque se encontrava ao lado de sua avó no momento dos fatos”. Sustenta, por fim, que não há nenhuma mensagem subliminar no fato de a fotografia mostrar João Guilherme, Tarsila e Yeda separados dos manifestantes pela grade de proteção da residência. “o fato em comento está sendo usado como tentativa de obter ganho financeiro”, conclui.

Em sua sentença sobre a ação movida pelos netos da governadora Yeda Crusius, o juiz Jorge André Pereira Gailhard avaliou que “o direito à informação proporcionado pelo réu (o jornalista André Machado, no caso) à sociedade deve prevalecer sobre o direito de imagem do autor, o qual, definitivamente, não restou maculado”. Para o magistrado, no momento em que a governadora exibiu um cartaz postulando que os manifestantes do CPERS abrissem passagem para que seus netos pudessem ir à escola e permitiu que seus netos se aproximassem do portão da residência, “acabou por assumir, juntamente com a mãe do menor, o risco de que algum veículo de comunicação viesse a filmá-la e/ou fotografá-la e, por conseqüência, a seu neto, o qual se encontrava ao seu lado durante os acontecimentos”.

Exposição inadequada do menor
Se o propósito da governadora e de sua filha fosse o de preservar a imagem do neto, acrescenta o juiz, “deveriam tê-lo mantido em segurança na parte interna da residência até que os manifestantes se acalmassem, ou mesmo que se retirassem do local”. Em outras palavras, prossegue, “o demandante só foi fotografado porque se encontrava em local de intenso interesse dos meios de comunicação, sendo praticamente impossível não registrar sua presença ao lado da Sra. Governadora”. Sendo assim, conclui, a “exposição inadequada do menor aos meios de comunicação foi proporcionada pelos seus próprios responsáveis”. O juiz observa também que os menores aparecem com regularidade nos veículos de comunicação, ao lado da mãe e da avó, estando naturalmente mais expostos à mídia do que uma criança comum.

Além do jornalista André Machado, também estão sendo alvo de ações, pelo mesmo motivo, a RBS – Zero Hora Empresa Jornalística Ltda, a Folha da Manhã (editora da Folha de São Paulo), a Infoglobo Comunicações (editora do jornal O Globo), o jornal O Estado de São Paulo, e os jornalistas Ricardo Noblat e Marco Aurélio Weissheimer. Há uma outra ação pedindo reparação por dano moral movida pelos menores (também aqui representados por sua mãe, Tarsila Rorato Crusius) contra o Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS Sindicato) e sua presidente, Rejane Silva de Oliveira, que são acusados de “impedir a saída dos menores para a escola” no dia da manifestação de protesto que pediu, entre outras coisas, a investigação das denúncias de corrupção envolvendo o governo Yeda Crusius.

A íntegra da sentença está disponível aqui.


Fonte: www.cartamaior.com.br


quarta-feira, 17 de março de 2010

O rosnar golpista do Instituto Millenium



Vale a pena refletir mais um pouco sobre os significados e conseqüências do 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, realizado pelo Instituto Millenium em São Paulo, na segunda-feira, 1º. de março.

A grande questão é: por que os barões da mídia resolveram convocar um evento público para discutir suas idéias? Ta bom, vamos combinar. A R$ 500 por cabeça não é bem um evento público. Mas era aberto a quem se dispusesse a pagar.

No subsolo do luxuoso hotel Golden Tulip estavam o que se poderia chamar de agregados da Casa Grande dos monopólios da informação, como intelectuais de programa e jornalistas de vida fácil. Todos expuseram suas vísceras, em um strip-tease político e moral inigualável. Um espetáculo digno de nota. Nauseabundo, mas revelador.

Uma observação preliminar: os donos, os patrões, os proprietários enfim, tiveram um comportamento discreto e comedido ao microfone. Não xingaram e não partiram para a baixaria. Quem desempenhou esse papel foram os seus funcionários.

Nisso seguem de perto um ensinamento de Nelson Rockfeller (1908-1979), relatado em suas memórias. Quando resolveu disputar as eleições para governador de Nova York, em 1958, falou de seus planos à mãe, Abby Aldrich Rockefeller. Na lata, ela lhe perguntou: “Meu filho, isso não é coisa para nossos empregados”?

Os patrões deixaram o serviço sujo para os serviçais. Estes cumpriram o papel com entusiasmo.

Objetivos do convescote
Os propósitos do Fórum não são claros. Formalmente é a defesa da liberdade de expressão, sob o ponto de vista empresarial. Quem assistiu aos debates não deixou de ficar preocupado. Aos arranques, os pitbulls da grande mídia atacaram toda e qualquer tentativa de se jogar luz no comportamento dos meios de comunicação.

Talvez o maior significado do encontro esteja em sua própria realização. Não é todo dia que os donos da Folha, da Globo e da Abril se juntam, deixando de lado arestas concorrenciais, para pensarem em táticas comuns na cena política nacional.

Um alerta sobre articulações desse tipo foi feita por Cláudio Abramo (1923-1987), em seu livro “A regra do jogo”, publicado em 1988. A certa altura, ele relata uma conversa mantida com Darcy Ribeiro (1922-1997), no início de março de 1964. “Alertei-o de que dias antes, o dr. Julinho [Mesquita, dono de O Estado de S. Paulo] havia visitado Assis Chateubriand [dos Diários Associados], e que aquilo era sinal seguro de que o golpe estava na rua. Porque a burguesia é muito atilada nessas coisas, não tem os preconceitos pueris da esquerda. Na hora H ela se une”.

Pois no Instituto Millenium estavam unidos Roberto Civita [Abril], Otávio Frias Filho [Folha] e Roberto Irineu Marinho [Globo]. Sem mais nem porquê.

Não se pode dizer que a turma resolveu botar o golpe na rua. Mas é sintomática a realização do evento quase no mesmo dia em que a candidatura de Dilma Roussef empatou com a de José Serra, de acordo com o Datafolha. Ou que ele aconteça quando os partidos conservadores – PSDB e DEM – estejam às voltas com crises sérias.

O que isso quer dizer? Quer dizer que as representações institucionais da direita brasileira estão se esfarelando. Seu candidato não sabe se vai ou se não vai. Apesar de o governo Lula garantir altos ganhos ao capital financeiro, deixando intocada a política econômica neoliberal, este não é o governo dos sonhos da plutocracia pátria. Elas não suportam conviver com a ala popular, minoritária na gestão do ex-metalúrgico. Deploram a política externa, a não criminalização dos movimentos sociais e a possibilidade de um governo Dilma acatar indicações das várias conferências temáticas realizadas nos últimos anos, como a de Direitos Humanos e a de Comunicação (Confecom).

Incômodo com a Confecom
Falar nisso, há um nítido incômodo com os resultados da Confecom. A grande mídia não tolera que o tema da democratização das comunicações tenha entrado na agenda nacional.

A reação a tais movimentações sociais tem mudado substancialmente a imprensa brasileira. Para pior, vale sublinhar. Para perceber isso, vale a pena fazer uma brevíssima recuperação histórica.

Nos anos anteriores a 1964, a grande mídia – O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Globo, Folha de S. Paulo e Diários Associados, entre outros – tornou-se propagandista e operadora do golpe militar. Colheu desgaste e sofreu censura, anos depois.

O primeiro órgão a notar que, para viabilizar seus propósitos empresariais, necessitava mudar de comportamento foi a Folha de S. Paulo. Com um jornal sem importância antes até o inícios dos anos 1970 e acusado de auxiliar o aparato repressivo da ditadura, seus proprietários perceberam que para mudar sua inserção no mercado valeria a pena abrir páginas para a oposição democrática.

Apostando na democratização

O projeto editorial de 1984 do jornal (http://www1.folha.uol.com.br/folha/conheca/projetos-1984-3.shtml) dizia o seguinte:

“A Folha é o meio de comunicação menos conservador de toda a grande imprensa brasileira. (...) É com certeza o que encontra maior repercussão entre os jovens. Foi o que primeiro compreendeu as possibilidades da abertura política e o que mais se beneficiou com ela, beneficiando a democratização. É o jornal pelo que a maioria dos intelectuais optou. É o mais discutido nas escolas de comunicação e nos debates sobre a imprensa brasileira”.

Ou seja, percebendo que a democratização lhe granjeava dividendos comerciais, o jornal deu espaço para lideranças, intelectuais e temas identificados com a mudança, em tempos finais da ditadura.

Topo da pirâmide

Vinte e três anos depois, em 11 de novembro de 2007, a Folha publicaria uma pesquisa sobre seu público, intitulada “Leitor da Folha está no topo da pirâmide social brasileira” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1111200715.htm). Logo na abertura, a matéria destaca:

“O leitor da Folha está no topo da pirâmide da população brasileira: 68% têm nível superior (no país, só 11% passaram pela universidade) e 90% pertencem às classes A e B (contra 18% dos brasileiros). A maioria é branca, católica, casada, tem filhos e um bicho de estimação”.

Saem de cena os “os intelectuais”, “os debates sobre imprensa brasileira” e entram os endinheirados. Do ponto de vista empresarial é isso mesmo. Jornal tem de vender e veicular anúncios a quem tem alta capacidade de consumo.

Mas para atender a essa lógica, movimentações editoriais são feitas. Ao invés de se priorizar um limitado pluralismo anterior, passam-se a criar cadernos e atrações voltados para os novos desígnios do público. E a linha editorial e os colunistas passam a ser cada vez mais conservadores.

A Folha beneficiou-se e soube utilizar em proveito próprio do formidável impulso democrático da sociedade brasileira dos anos 1980. Quase três décadas depois, percebe que a continuidade desse movimento não lhe interessa. E se insurge contra ele, com seus pares empresariais, entrando de cabeça nos fóruns do Instituto Millenium.

Golpe em marcha?

Articulações desse tipo são geralmente danosas à democracia. Sempre que ficam carentes de representações, as classes dominantes (chamemos as “elites” por seu nome real) entram no jogo institucional de forma truculenta e atabalhoada. Buscam impor sua vontade a ferro e fogo, uma vez que as regras do convívio político não lhes interessam mais. Seus impulsos são sempre pela ruptura dessas regras. Pelo golpe.

Foi o que aconteceu na Venezuela, em 2002. Com a falência dos partidos de direita e com a avassaladora legitimidade do governo Hugo Chávez, as oligarquias locais – em associação com a Casa Branca, com a cúpula das forças armadas e com a grande mídia – partiram para a ignorância. E se deram mal.

Não é pouca coisa a afirmação do ex-filósofo Roberto Romano, durante o Fórum do Instituto Millenium: “O aspecto ditatorial do Plano Nacional dos Direitos Humanos passaria em branco, não fosse o descontentamento manifestado pelos militares”. Logo quem o professor de Ética (!) invoca como paladinos da democracia...

A tática golpista vingará por aqui? Pouco provável, pois seus defensores encontram-se isolados. O destempero exibido por alguns palestrantes durante o evento – notadamente Romano, Jabor, Reinaldo Azevedo, Marcelo Madureira, Sidnei Basile, Denis Rosenfield e Demetrio Magnoli – é uma patente demonstração de seu reduzido apoio social.

No entanto, não se pode subestimar essa turma. Como interpretar a delirante intervenção de Arnaldo Jabor, ao dizer que “A questão é como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo”? Como chegar a tal objetivo se não pela quebra da democracia?


Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).




sábado, 13 de março de 2010

A liberdade que mete medo


fonte: Observatório da Imprensa - www.observatoriodaimprensa.com.br

Por Eugênio Bucci em 10/3/2010

Reproduzido da revista Poder nº 24, fevereiro de 2010; intertítulos do OI

Se eu fosse parafrasear a abertura do Manifesto Comunista, e me dá vontade, eu diria que um fantasma assombra o Brasil: o fantasma da liberdade de imprensa. Mas, como não vou fazer isso – acho que se trata da passagem mais parafraseada da literatura política universal –, digo apenas que o nosso País anda apavorado com o alcance da liberdade de imprensa. Muita gente, à esquerda e à direita, gostaria de domar a voz da sociedade, gostaria de pôr os óculos que lhe são mais favoráveis sobre o que um dia Rui Barbosa chamou, no seu estilo peculiar, de "a vista da nação". Do Judiciário aos movimentos sociais, passando pelos governos e pelos partidos políticos, são inúmeras as tentativas ou as simples insinuações de domesticar os jornais. O que há por trás disso?

A resposta é: medo. Representantes de instituições da República, de religiões ou de ideologias têm medo. Não têm apenas medo do que a imprensa diz, mas, principalmente, daquilo que ela poderá vir a dizer se ninguém puser um freio em sua boca. É o medo de liberdade, que aos olhos de muitos não passa de desgoverno, que unifica agentes políticos que vão do Estado à sociedade, que vão do conservadorismo às hostes que se proclamam revolucionárias. Nisso, na fobia que demonstram frente ao olhar independente, eles são todos iguais. À sombra espessa de seus temores, todos esses gatos são tristemente pardos, numa outra paráfrase que me escapou. Pardos, gordos e um tanto preguiçosos.

Do Poder Judiciário, ou melhor, de uma minoria de magistrados, despencam sobre o direito à informação essas pedras de gelo, mesmo em tempos de céu claro – o céu da democracia, que, aos poucos, vai se firmando entre nós. Blogs, pequenos jornais e, mais recentemente, um dos principais diários brasileiros, O Estado de S.Paulo, são atingidos por sentenças ou por decisões de desembargadores que impedem a publicação de notícias sobre assuntos determinados. O que temos aí, em duas palavras, é censura prévia. A idéia de que uma autoridade judicial possa substituir um editor naquilo que só cabe ao editor, ou seja, na função de decidir o que deve e o que não deve ser publicado não é apenas antidemocrática. Ela trai um desconhecimento melancólico do que é democracia.

"Controle social"

Duas idéias centrais precisam aqui ficar muito claras. A primeira é que a imprensa não reivindica nem poderia reivindicar impunidade. Ela responde, perante a Justiça, por tudo o que vier a publicar. Mas responde a posteriori. Jornalistas podem ser condenados civil e criminalmente, mas sempre após a publicação que caracterize algum abuso. Liberdade não se confunde com impunidade. Aliás, a liberdade é mais um fardo do que um conforto para o profissional de imprensa. Exercer a liberdade é antes um desafio traiçoeiro que um esporte relaxante.

Alguns argumentam que, como no caso do Estadão, o desembargador impediu apenas a veiculação de notícias sobre uma investigação policial que corre em sigilo de Justiça, que tem por objeto as atividades do empresário Fernando Sarney. Trata-se da operação da Polícia Federal batizada de Boi Barrica. Temos aí outro equívoco. O sigilo é da Justiça, não dos jornalistas. O dever dos jornalistas é exatamente informar o cidadão daquilo que ele tem direito de saber, e, normalmente, o que é do interesse do cidadão é considerado sigilo pela Justiça, pelo Governo, por algum magnata, pela cúpula de um partido político. Descobrir e, quando isso se justificar, revelar com todas as letras esse tipo de sigilo é a essência da razão de ser da imprensa. Afinal, o que é uma notícia se não um segredo devidamente revelado? Se aquilo que o poder definir como segredo tiver de ser afastado da pauta dos jornais, ora, a imprensa acabou. A censura prévia mata a imprensa. Simples assim.

Claro que os jornalistas não publicarão tudo o que descobrirem, sem nenhum critério. Eles têm o dever ético de preservar as privacidades, de não ferir reputações sem provas, de ouvir o outro lado. Tudo isso é conhecido. Os jornalistas vão noticiar o que de fato se revestir do melhor interesse público. E aqui vale outra nota: em momento algum o Estado estampou em suas páginas qualquer detalhe que expusesse a intimidade da família Sarney. Mesmo assim foi censurado. Foi censurado por uma decisão que não enxerga o valor da imprensa livre.

A segunda idéia que deve ser registrada é uma informação: não é apenas o Estadãoque foi vítima da censura prévia judicial. Esse tipo de mordaça vem sufocando, hoje, dezenas de publicações. A principal vítima, no entanto, não são os órgãos de imprensa, mas o conjunto da sociedade. É o direito à informação – direito fundamental que, onde falta, faz fenecer o controle que a sociedade exerce sobre o Estado. Surpreende que uma fórmula tão simples – e já velha de quase três séculos – seja tão solenemente ignorada. Por medo.

De outro lado, setores à esquerda conspiram, muitas vezes sem saber, contra o mesmo direito. Isso vem aparecendo nas mais diversas roupagens, como reivindicações que às vezes se protegem sob a denominação conveniente de "controle social da mídia". Outro erro, ainda que compreensível.

Regulação de mercado

Começo pelo que há de compreensível no erro. Desde a ditadura militar, as emissoras de televisão – e é aí que está a raiz do problema, não na "mídia" em geral – funcionam como se estivessem à margem da lei. Na América do Norte e na Europa, as democracias consolidadas exercem controle sobre o mercado da radiodifusão. O propósito, legítimo, é inibir a concentração de propriedade, que pode levar ao monopólio. Como se sabe, onde há monopólio, não há concorrência econômica nem diversidade política. No Brasil, porém, até hoje nós não temos esse tipo de regulação, o que cria desequilíbrios. Ocorre que esses desequilíbrios não podem ser corrigidos pelo controle do Estado sobre os conteúdos (e aqui mora o equívoco da maioria das propostas de "controle social"). Ao contrário, os desequilíbrios são apenas agravados quando o Estado começa a se imiscuir na edição de conteúdos jornalísticos. Regular o setor de radiodifusão não confunde, nem de longe, com a presunção da autoridade estatal de determinar o que será ou deixará de ser noticiado nos telejornais. Regular a radiodifusão significa apenas manter um regime saudável de concorrência e de pluralidade. A liberdade de cada um publicar o que lhe pareça relevante não entra em questão. Como essa regulação ainda não existe entre nós, temos visto o aparecimento dessas propostas involuntariamente autoritárias.

Recentemente, a divulgação do Plano Nacional de Direitos Humanos suscitou reações exacerbadas. O plano fala em "apoiar a instalação, no âmbito do Poder Legislativo, do Conselho de Comunicação Social, com o objetivo de garantir o controle democrático das concessões de rádio e televisão." Não há nada de errado com isso. O Brasil precisa, de fato, de uma legislação que regule o setor de radiodifusão. Em outro trecho, o documento propõe "garantir a possibilidade de fiscalização da programação das emissoras de rádio e televisão, com vistas a assegurar o controle social sobre os meios de comunicação". Embora não seja intencional, ao menos no meu modo de ver, palavras como essas podem denotar que existiria a vontade difusa de que as autoridades fossem incumbidas de filtrar a programação segundo critérios políticos. Se existir de fato essa mentalidade, ela é reveladora de medo da liberdade. Medo que, por sua vez, insufla ainda mais um outro medo, também inimigo da liberdade: o medo que as velhas oligarquias brasileiras sentem quando ouvem a palavra mudança.

De todo modo, as reações passaram um pouco das medidas. De minha parte, a expressão "controle social" não me assusta nem um pouco. O problema aparece quando o tal "controle social" se pretende controle sobre o noticiário. E, como essas duas palavrinhas, "controle social", se converteram num imenso guarda-chuva meio sem critério, que abriga todo tipo de significado, inclusive esse, autoritário, ela inspira um pé atrás em muita gente. Às vezes com razão; outras vezes sem. Então, se quisermos entender o que se passa, precisamos ter um pouco de cuidado com o que cada um quer dizer quando fala em "controle social".

Não custa lembrar que toda legislação nada mais é que uma forma de controle social (democrático) sobre a vida prática de uma sociedade. As leis de trânsito controlam o trânsito, em nome da vontade da sociedade, por meio da autoridade estatal. As leis da concorrência controlam o mercado, com base em leis democráticas. Até aí, nada de anormal. No entanto, quando o controle legal do mercado da radiodifusão interfere em decisões editoriais, aí, sim, a mentalidade da censura prospera. Como não refletiram devidamente sobre esse tema, há contingentes dos movimentos sociais, dos partidos políticos e mesmo de governos, que acalentam esse tipo de fantasia censória, sem saber que, no fim da linha, eles mesmos seriam vítimas das medidas restritivas a que essa mentalidade pode nos levar: se a liberdade de imprensa sai ferida, todos perdem, inclusive aqueles que desferiram o primeiro golpe. Só que eles não sabem disso.

Mas o Plano de Direitos Humanos foi mais longe. Ao estabelecer que é preciso "penalizar, na forma da lei, as empresas de telecomunicação que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos", deixou no ar a possibilidade de que isso venha a ser entendido como ingerência estatal indevida. Quem é que vai dizer o que é e o que não é "atentatório" aos direitos humanos? O governo? E como fazer nas situações em que o próprio governo viola direitos humanos? Por isso, essas proposições precisam de um debate mais aprofundado e sobretudo mais sereno.

Também a convocação da Segunda Conferência Nacional de Cultura motivou abespinhamentos em toda parte ao dizer que "o monopólio dos meios de comunicação (mídias) representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados." Parte das críticas tem fundamento. Realmente, não se pode afirmar que venha prevalecendo, no País, o monopólio da comunicação. É verdade que, em certas regiões isso ainda se verifica. Em alguns estados brasileiros, oligarquias familiares comandam a comunicação, mas são se pode garantir que seja esse o cenário no contexto nacional. Por isso, o tema deveria ser visto de forma menos generalizante – e numa perspectiva de regulação de mercado, jamais na linha de atribuir à autoridade filtragem (ou censura) dos conteúdos, interferindo em decisões editoriais. Uma dose a mais de calma, nesse caso, seria profilática.

Mais liberdade

O nosso problema é que o medo inspira as discussões. E por que tanto medo?

Porque a liberdade de imprensa se levanta como um anteparo contra a vontade dos que se supõem capazes de reger a sociedade como se ela fosse uma orquestra. Ela é uma vacina contra os devaneios dos que imaginam escrever o roteiro da História por antecipação. Atrapalha os planos dos chefes que, tendo acesso às ferramentas do poder público, gostam de impor aos demais a idolatria de si mesmos. Ela não assusta apenas os corruptos, os que têm algo de ilícito a esconder, mas também aqueles que têm sonhos onipotentes, os que não sabem conviver com a hipótese de que o coro do qual querem ser maestros, de repente, desafine. Por isso, temem a liberdade. Não sabem que, por definição, liberdade é sempre a liberdade do outro. Não sabem que a liberdade é uma conquista social – aí, sim, o termo vem bem a calhar – exatamente porque assegura o lugar de quem discorda, de quem atrapalha, de quem critica, mesmo sem ter razão.

Aqui não há meio termo. A liberdade de imprensa inclui até mesmo a liberdade de errar – o que acarreta o dever de responder pelo erro, mas depois. É o preço que pagamos para viver em democracia. E, francamente, é um preço baixo.

No meio da barulheira toda, existem ainda os bem-intencionados, aqueles que, traumatizados pela experiência de que, muitas vezes, a irresponsabilidade de alguns veículos assassina reputações de modo torpe, temem por sua privacidade e por sua honra. Trata-se de um temor legítimo. Eu, você, os editores desta revista, o seu vizinho, a sua tia ou o seu patrão, qualquer um pode ser arruinado amanhã ou depois de amanhã pelo sensacionalismo inescrupuloso. O famosíssimo caso da Escola Base está aí para nos lembrar a que grau pode chegar o dano causado por manchetes levianas. Contra essa trágica possibilidade, com as melhores intenções, levantam-se os que imaginam que, se uma autoridade tomar conta dos jornalistas, o quadro vai melhorar. Estão enganados, porém. O próprio ministro do Supremo Tribunal Federal, numa analogia imprecisa, incorreu nesse deslize no dia 11 de dezembro, quando declarou:

"Se tivesse havido naquele caso [Escola Base] uma intervenção judicial, infelizmente não houve, que tivesse impedido aquele delegado, mancomunado com órgão de imprensa, de divulgar aquele fato, aquela estrutura toda escolar e familiar teria sido preservada. E não foi."

Não se pode dizer, com base apenas nessa manifestação deslocada, que Gilmar Mendes cultive pretensões autoritárias. Acredito mesmo que o ministro fez essa declaração de boa fé. Mas ele se equivocou. Nunca, em nenhuma experiência de país democrático, a autoridade judicial melhorou o jornalismo. O único remédio para os erros cometidos num regime de liberdade de imprensa é mais liberdade: mais liberdade para que a sociedade possa se informar livremente sobre a natureza desse erro; mais liberdade para que os desmentidos tenham como vir a público; mais liberdade para que o público entenda o que se passou e dê preferência a veículos mais responsáveis e, por fim, mais liberdade para que as punições cabíveis sejam bem explicadas e possam servir de exemplo a outros profissionais.

Fonte de temor

Há falhas que nós jornalistas cometemos que nos envergonham. Tanto que, às vezes, temos impulsos de abandonar a profissão. Mas, mesmo quando desgostosos, temos consciência de que não trabalhamos para a nossa própria satisfação, embora ela seja insubstituível. Acima disso, trabalhamos para que a sociedade seja bem informada. É o direito à informação de todos que justifica o nosso ofício. Também por isso, o nosso primeiro dever, como jornalistas, é o de exercer e ampliar a nossa liberdade, pois ela beneficia a todos além de nós, ainda que, muitas vezes, imponha sobre nós um custo alto. Aliás, alguns de nós, jornalistas, temos não propriamente medo, mas um frio na barriga quando a nossa própria liberdade nos abre aquele horizonte imenso, por vezes inóspito. Sair lá fora e testemunhar o que ninguém viu é doloroso. Não importa. Com ou sem frio na barriga, temos clareza de que somente sob a liberdade a nossa missão se completa. Mais ainda: a nossa missão se completa quando dá materialidade para a liberdade, quando preenche o arco da liberdade com conteúdo de verdade, de fidelidade aos fatos e às idéias.

Um jornalista sabe: os que temem a liberdade, temem a ele próprio, jornalista. E isso nos ofende. Ser temido sem ser um monstro é ultrajante. Fazer o quê? É assim que funciona. A imprensa é um contrapoder, um limite ao poder. Daí que a liberdade de imprensa é sempre uma fonte de temor aos que namoram um poder sem limites. E é um jogo desigual. Se a nossa liberdade abala o poder que eles têm, eles ficam desconfortáveis. Se o poder deles enquadra a liberdade que temos, nós estamos mortos.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Liberdade de Expressão e seus 30 novos significados



por Washington Araújo*

Organizado pelo Instituto Millenium realizou-se em São Paulo no dia 1º de março de 2010 o I Fórum Democracia e Liberdade de Expressão congregando a fina flor do empresariado da comunicação brasileira e acolhendo representantes de grandes grupos de mídia da América Latina, em especial da Venezuela e da Argentina, além renomados nomes do colunismo político que brilham em nossos veículos comerciais. Pretendeu ser um contraponto à I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), cuja etapa nacional ocorreu em Brasília entre os dias 14 a 17 de dezembro de 2009. A Confecom envolveu mais de 20.000 pessoas em todo o país, recepcionou 6.000 propostas originárias das etapas estaduais e aprovou 500 resoluções.

A Confecom de Brasília trouxe à discussão temas como Produção de Conteúdo, Meios de Distribuição e os Direitos e Deveres da Cidadania, o Fórum de São Paulo propunha a defesa de valores como Democracia, Economia de Mercado e o Individualismo.

Todo cidadão brasileiro era bem-vindo para participar da 1ª Confecom. Para assistir ao Fórum Millenium era indispensável o pagamento de R$ 500,00 a título de inscrição. Na Confecom as seis maiores corporações empresariais de veículos de comunicação do Brasil fizeram questão de marcar sua ausência. No Millenium as ausentes se fizeram presentes. Dentre as quais destaco: Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), entidades que envolvem a Globo, o SBT, a Record, a Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo, a RBS, Instituto Liberal, Movimento Endireita Brasil (MEB), e outras empresas que decidiram boicotar a I Conferência Nacional de Comunicação, numa demonstração de forte apreço pela democracia. Se essas entidades desejaram evitar o confronto na Confecom mostraram-se pintadas para guerra no Millenium.

Cotejando os temas abordados no Millenium e, principalmente, os conferencistas que lá foram vivamente aplaudidos, posso imaginar que se pretende agregar novos significados ao verbete “liberdade de expressão”.

São eles:

1. Liberdade de expressão é interditar todo e qualquer debate democrático sobre os meios de comunicação.

2. Liberdade de expressão só pode ser invocada pelos que controlam o monopólio das comunicações no país.

3. Liberdade de expressão é bem supremo estando abaixo apenas do Deus-Mercado.

4. Liberdade de expressão é moeda de troca nas eternas rusgas entre situação e oposição.

5. Liberdade de expressão é denunciar qualquer debate sobre mecanismos para termos uma imprensa minimamente responsável.

6. Liberdade de expressão é gerar factóides, divulgar informações sabidamente falsas apenas para aproveitar o calor da luta.

7. Liberdade de expressão é deitar falação contra avanços sociais, contra mobilidade social, contra cotas para negros e índios em universidades públicas.

8. Liberdade de expressão é cartelizar a informação e divulgá-la como capítulos de uma mesma novela em variados veículos de comunicação.

9. Liberdade de expressão é não conceder o direito de resposta sem que antes o interessado passe por toda a via crucis de conseguir na justiça valer seu direito.

10. Liberdade de expressão é explorar a boa fé do povo com programas de televisão que manipulam suas emoções e suas carências oferecendo uma casa aqui outro carro ali e assim por diante.

11. Liberdade de expressão é somente aprovar comentários aptos à publicação em sítio/blog da internet se estes referendarem o pensamento do autor e proprietário do sítio/blog.

12. Liberdade de expressão é ser leviano a ponto de chamar a ditadura brasileira de ditabranda e ficar por isso mesmo.

13. Liberdade de expressão é imputar ao presidente da República comportamento imoral tendo como fundamento depoimento fragmentado da memória de um indivíduo acerca de fato relatado quase duas décadas depois.

14. Liberdade de expressão é apresentar imparcialidade jornalística do meio de comunicação mesmo quando os principais jornalistas fazem de sua coluna tribuna eminentemente partidária.

15. Liberdade de expressão é fazer estardalhaço em torno de um sequestro que não ocorreu há quase 40 anos com a clara intenção de tumultuar o processo político atual.

16. Liberdade de expressão é assacar contra a honra de pessoa pública utilizando documentos de autenticidade altamente duvidosa e depois fazer mea culpa na seção “Erramos”.

17. Liberdade de expressão é submeter decisões editoriais a decisões comerciais de empresas e emissoras de comunicação.

18. Liberdade de expressão é somente dar ampla divulgação a pesquisas de opinião em que os resultados sejam palatáveis ao veículo de comunicação.

19. Liberdade de expressão é não ter visto “Lula, o filho do Brasil” e considerá-lo péssimo produto cinematográfico sem ao menos tê-lo assistido.

20. Liberdade de expressão é minimizar o descaso do poder público ante as enchentes de São Paulo e reduzir candidato à presidência a mero poste.

21. Liberdade de expressão é ter dois pesos em política externa: Cuba é o inferno e China é o paraíso.

22. Liberdade de expressão é demonizar movimentos sociais e defender a todo custo latifúndios vastos e improdutivos.

23. Liberdade de expressão é usar uma concessão pública para aumentar os níveis de audiência com o uso perverso de crianças no papel de vilões.

24. Liberdade de expressão é desqualificar quem não aprecia a programação servida pelo Instituto Millenium.

25. Liberdade de expressão é rejeitar in totum toda e qualquer proposição da Conferência Nacional de Comunicação.

26. Liberdade de expressão é apostar em quem ofereça garantias robustas visando manter o monopólio dos atuais donos da mídia brasileira.

27. Liberdade de expressão é obstruir qualquer caminho que conduza mecanismos de democracia participativa.

28. Liberdade de expressão é fazer coro contra qualquer governo de esquerda e se omitir contra malfeitorias de qualquer governo de direita. Ou vice-versa.

29. Liberdade de expressão é fugir como o diabo foge da cruz de expressões como liberdade, democracia, cidadania, justiça social, controle social da mídia.

30. Liberdade de expressão é lutar para manter o status quo: o direito de informar é meu e ninguém tasca.


*Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com


sexta-feira, 5 de março de 2010

A miséria moral de ex-esquerdistas

por Emir Sader

Alguns sentem satisfação quando alguém que foi de esquerda salta o muro, muda de campo e se torna de direita – como se dissessem: “Eu sabia, você nunca me enganou”, etc., etc. Outros sentem tristeza, pelo triste espetáculo de quem joga fora, com os valores, sua própria dignidade – em troca de um emprego, de um reconhecimento, de um espaçozinho na televisão.

O certo é que nos acostumamos a que grande parte dos direitistas de hoje tenham sido de esquerda ontem. O caminho inverso é muito menos comum. A direita sabe recompensar os que aderem a seus ideais – e salários. A adesão à esquerda costuma ser pelo convencimento dos seus ideais.

O ex-esquerdista ataca com especial fúria a esquerda, como quem ataca a si mesmo, a seu próprio passado. Não apenas renega as idéias que nortearam – às vezes o melhor período da sua vida -, mas precisa mostrar, o tempo todo, à direita e a todos os seus poderes, que odeia de tal maneira a esquerda, que já nunca mais recairá naquele “veneno” que o tinha viciado. Que agora podem contar com ele, na primeira fila, para combater o que ele foi, com um empenho de quem “conheceu o monstro por dentro”, sabe seu efeito corrosivo e se mostra combatente extremista contra a esquerda.

Não discute as idéias que teve ou as que outros têm. Não basta. Senão seria tratar interpretações possíveis, às quais aderiu e já não adere. Não. Precisa chamar a atenção dos incautos sobre a dependência que geram a “dialética”, a “luta de classes”, a promessa de uma “sociedade de igualdade, sem classes e sem Estado”. Denunciar, denunciar qualquer indicio de que o vício pode voltar, que qualquer vacilação em relação a temas aparentemente ingênuos, banais, corriqueiros, como as políticas de cotas nas universidades, uma política habitacional, o apoio a um presidente legalmente eleito de um país, podem esconder o veneno da víbora do “socialismo”, do “totalitarismo”, do “stalinismo”.

Viraram pobres diabos, que vagam pelos espaços que os Marinhos, os Civitas, os Frias, os Mesquitas lhes emprestam, para exibir seu passado de pecado, de devassidão moral, agora superado pela conduta de vigilantes escoteiros da direita. A redação de jornais, revistas, rádios e televisões está cheia de ex-trotskistas, de ex-comunistas, de ex-socialistas, de ex-esquerdistas arrependidos, usufruindo de espaços e salários, mostrando reiteradamente seu arrependimento, em um espetáculo moral deprimente.

Aderem à direita com a fúria dos desesperados, dos que defendem teses mais que nunca superadas, derrotadas, e daí o desespero. Atacam o governo Lula, o PT, como se fossem a reencarnação do bolchevismo, descobrem em cada ação estatal o “totalitarismo”, em cada política social a “mão corruptora do Estado”, do “chavismo”, do “populismo”.

Vagam, de entrevista a artigo, de blog à mesa redonda, expiando seu passado, aderidos com o mesmo ímpeto que um dia tiveram para atacar o capitalismo, agora para defender a “democracia” contra os seus detratores. Escrevem livros de denúncia, com suposto tempero acadêmico, em editoras de direita, gritam aos quatro ventos que o “perigo comunista” – sem o qual não seriam nada – está vivo, escondido detrás do PAC, do Minha casa, minha vida, da Conferência Nacional de Comunicação, da Dilma – “uma vez terrorista, sempre terrorista”.

Merecem nosso desprezo, nem sequer nossa comiseração, porque sabem o que fazem – e os salários no fim do mês não nos deixam mentir, alimentam suas mentiras – e ganham com isso. Saíram das bibliotecas, das salas de aula, das manifestações e panfletagens, para espaços na mídia, para abraços da direita, de empresários, de próceres da ditadura.

Vagam como almas penadas em órgãos de imprensa que se esfarelam, que vivem seus últimos sopros de vida, com os quais serão enterrados, sem pena, nem glória, esquecidos como serviçais do poder, a que foram reduzidos por sua subserviência aos que crêem que ainda mandam e seguirão mandado no mundo contra o qual, um dia, se rebelaram e pelo que agora pagam rastejando junto ao que de pior possui uma elite decadente e em vésperas de ser derrotada por muito tempo. Morrerão com ela, destino que escolheram em troca de pequenas glórias efêmeras e de uns tostões furados pela sua miséria moral. O povo nem sabe que existiram, embora participe ativamente do seu enterro.

do Blog do Emir na Carta Maior www.cartamaior.com.br

quarta-feira, 3 de março de 2010

Minas a reboque, não!

[Fritaram o Serra!]


Do Estado de Minas

EDITORIAL

Indignação. É com esse sentimento que os mineiros repelem a arrogância de lideranças políticas que, temerosas do fracasso a que foram levados por seus próprios erros de avaliação, pretendem dispor do sucesso e do reconhecimento nacional construído pelo governador Aécio Neves. Pior. Fazem parecer obrigação do líder mineiro, a quem há pouco negaram espaço e voz, cumprir papel secundário, apenas para injetar ânimo e simpatia à chapa que insistem ser liderada pelo governador de São Paulo, José Serra, competente e líder das pesquisas de intenção de votos até então.

Atarantados com o crescimento da candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, percebem agora os comandantes do PSDB, maior partido de oposição, pelo menos dois erros que a experiência dos mineiros pretendeu evitar. Deveriam ter mantido acesa, embora educada e democrática, a disputa interna, como proposto por Aécio. Já que essa estratégia foi rejeitada, que pelo menos colocassem na rua a candidatura de Serra e dessem a ela capacidade de aglutinar outras forças políticas, como fez o Palácio do Planalto com a sua escolhida, muito antes de o PT confirmar a opção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na política, a hesitação cobra caro, mais ainda numa disputa que promete ser das mais difíceis. Não há como negar que a postura vacilante do próprio candidato, até hoje não lançado, de atrair aliados tem adubado a ascensão da pouco conhecida candidata oficial. O que é inaceitável é que o comando tucano e outras lideranças da oposição queiram pagar esse preço com o sacrifício da trajetória de Aécio Neves. Assim como não será justo tributar-lhe culpa em caso de derrota de uma chapa em que terá sido apenas vice, também incomoda os mineiros uma pergunta à arrogância: se o mais bem avaliado entre os governadores da última safra de gestores públicos é capaz de vitaminar uma chapa insossa e em queda livre, por que Aécio não é o candidato a presidente?

Perplexos ante mais essa demonstração de arrogância, que esconde amadorismo e inabilidade, os mineiros estão, porém, seguros de que o governador “político de alta linhagem de Minas” vai rejeitar papel subalterno que lhe oferecem. Ele sabe que, a reboque das composições que a mantiveram fora do poder central nos últimos 16 anos, Minas desta vez precisa dizer não.

Fonte: Coluna do Nassif

terça-feira, 2 de março de 2010

A pseudo ameaça à liberdade de imprensa...


Publicado em 02-Mar-2010

Após fugirem do debate proposto pela Confecom (1ª Conferência Nacional de Comunicação) que reuniu setores da sociedade civil, governo e representantes da imprensa em torno da elaboração de uma proposta democrática sobre a comunicação no país, os barões da mídia voltam a acenar com o fantasma da ameaça à liberdade de imprensa que haveria no continente.

Agora, eles e seus jornalistas reuniram-se no chamado Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, organizado pelo Instituto Millenium para discutir o que chamam de "liberdade de imprensa". A pauta era óbvia: bradar e dar a máxima publicidade - o que lhes é fácil, por terem todos os veículos nas mãos - à essa "ameaça" no Brasil com governos, atual e futuro, do PT.

Para ajudar o coro dos barões da mídia, estiveram presentes representantes e dirigentes de emissoras latinoamericanas. E o que se ouviu foi a velha cantilena de comparar o nosso país com a realidade de outros, bem a gosto da imprensa defensora da liberdade de ocasião.

Mídia isenta?

Seria cômico, não fosse trágico, o fato de, durante o evento, estarem presentes exatamente os representantes da verdadeira ameaça à liberdade de imprensa no nosso país: os responsáveis pelo monopólio da comunicação, os que lutam dia e noite para que a informação - um direito do povo brasileiro - permaneça nas mãos de poucos, sem nenhuma responsabilidade ou respeito à Constituição, ao sabor de seus interesses econômicos e políticos.

Um apanhado das discussões do Fórum nos jornais de todo o país hoje, revela uma verdadeira piada. Todos sabemos que no Brasil existe liberdade de imprensa e que ela não corre o menor risco neste ou no próximo governo do PT. E mais: a imprensa brasileira é editorializada; tem partido político, por suas práticas constitui-se ela própria numa legenda partidária; cria factóides, heróis e vilões do dia para a noite, sem o menor compromisso com a ética jornalística, a isenção, a imparcialidade ou os direitos do cidadão, ainda que estes estejam escritos na Constituição.

Como sempre repito aqui: o que está por trás desse discurso não é a liberdade de imprensa. Se fosse, não teríamos assistido à vexatória - e infrutífera - tentativa dos seus barões de esvaziar a Confecom. O que está em jogo é a continuidade do monopólio da mídia, o medo de qualquer tipo de regulamentação. O resto é conversa para vender jornal.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Venezuela: Sobre o que a imprensa conservadora silencia


Para se ter uma idéia de como funciona o mecanismo do pensamento único, no próximo dia 1º de março, em São Paulo, o Instituto Millenium estará promovendo um seminário sobre “Liberdade de Expressão” que contará com a participação, entre outros, do presidente da RCTV venezuelana, Marcel Garnier, do colunista das Organizações Globo Arnaldo Jabor, do sociólogo Demetrio Magnoli, do jornalista Reinaldo Azevedo, da Veja, e de Carlos Alberto Di Franco, membro da seita Opus Dei. O artigo é de Mário Augusto Jakobskind.

A República Bolivariana da Venezuela segue na ordem do dia da mídia. Quem acompanha o noticiário diário das TVs brasileiras e alguns dos jornalões tem a impressão que o país está à beira do caos e por lá vigora a mais ferrenha obstrução aos órgãos de imprensa privados. Mas há quem não tenha essa leitura sobre o país vizinho, que no próximo mês de setembro elegerá os integrantes da Assembléia Nacional.

José Gregorio Nieves, secretário da organização não-governamental Jornalistas pela Verdade, informou recentemente a representantes da União Européia que circularam em Caracas que nos últimos 11 anos, correspondente exatamente à ascensão do presidente Hugo Chávez, houve um avanço na democratização da comunicação na Venezuela. Ele baseia as suas informações em números. Segundo Nieves, há atualmente um total de 282 meios alternativos de rádios e televisões onde a população que não tinha voz agora tem.

Houve, inclusive, um aumento da democratização do acesso aos meios de comunicação. Até 1998, ou seja, no período em que a Venezuela era governada em revezamento, ora pela Ação Democrática (linha social-democrata), ora pela Copei (linha social cristã), não havia permissão para o funcionamento de veículos comunitários. No país existiam apenas 33 radiodifusores privados e 11 públicos, todos eles avaliados pela Comissão Nacional de Telecomunicações(Conatel).

Que seja ouvido o outro lado

Hoje, ainda segundo informação prestada por Nieves a representantes da UE, as concessões privadas em FM chegam a 471 emissoras, sendo 245 comunitárias e 82 de caráter público. Na área da televisão, o total de canais abertos privados até 1998 era de 31 particulares e oito públicos. Atualmente, a Conatel concedeu concessões a 65 canais privados, 37 comunitários e 12 públicos.

A lógica desses números contradiz, na prática, a campanha midiática de denúncia de falta de liberdade de imprensa. Seria pouco lógico que num período em que aumentaram as concessão de rádio e TV para a área privada o governo restringisse os passos das referidas empresas.

O secretário de organização dos Jornalistas pela Verdade informou ainda que a Lei de Responsabilidade Social no Rádio e Televisão permitiu o fortalecimento dos produtores nacionais independentes. Nieves fez questão de assinalar que a ONG que ele representa rejeita a manipulação contra o governo bolivariano que ocorre em âmbito da UE e em outros fóruns.

É importante que os leitores e telespectadores brasileiros tenham acesso a outros canais de informação e não aos de sempre, apresentados diariamente pelos grandes meios de comunicação vinculados à Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Em outros termos: que seja ouvido o outro lado, para que não prevaleça, como tem acontecido, o esquema do pensamento único.

RCTV é confirmada como produtora nacional

Para se ter uma idéia de como funciona o mecanismo do pensamento único, no próximo dia 1º de março, em São Paulo, o Instituto Millenium estará promovendo um seminário sobre “Liberdade de Expressão” que contará com a participação, entre outros, do presidente da RCTV venezuelana, Marcel Garnier, do colunista das Organizações Globo Arnaldo Jabor, do sociólogo Demetrio Magnoli, do jornalista Reinaldo Azevedo, da Veja, e de Carlos Alberto Di Franco, membro da seita Opus Dei.

O Instituto Millenium é dirigido, segundo informa o jornal Brasil de Fato, por Patrícia Carlos de Andrade, ex-mulher do ex-diretor do Banco Central no período FHC, Armínio Fraga e filha do falecido jornalista Evandro Carlos de Andrade, que a partir de 1995 coordenou a Central Globo de Jornalismo. Os mediadores do seminário serão três profissionais de imprensa das Organizações Globo: o diretor Luís Erlanger, o repórter Tonico Pereira e o âncora William Waack.

Já se pode imaginar o tipo de crítica ao governo venezuelano que vem por aí. Vão lamentar a suspensão de seis emissoras de TV a cabo, mas provavelmente deixarão de mencionar, como tem feito a mídia conservadora, que cinco desses canais já retornaram ao ar porque deram as informações necessárias solicitadas pela Conatel. Quanto à RCTV, que se julga internacional, a Conatel confirmou a classificação do canal de TV a cabo como produtora nacional, o que conseqüentemente a obriga a acatar as leis do país. Se fizer isso, poderá voltar ao ar. Se não o fizer, Marcel Garnier continuará circulando por países da América Latina para denunciar a “falta de liberdade de imprensa no país de Chávez”.

Sem contraponto
Ah, sim: nestes dias, o governo do Uruguai, cujo presidente, Tabaré Vázquez, encerra o mandato na mesma data do seminário promovido pelo Instituto Millenium, anunciou que vai punir dezenas de emissoras de rádio que se recusaram a entrar na cadeia nacional obrigatória em que o chefe do Executivo uruguaio informava a população sobre questões relacionadas aos direitos humanos. Os jornalões e as TVs brasileiros não deram uma linha sobre o fato, ao contrário do que aconteceu quando a Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) da Venezuela decidiu suspender emissoras de rádio que estavam em situação irregular.

Por estas e muitas outras é que os leitores e telespectadores brasileiros e da América Latina de um modo geral recebem informações sobre a Venezuela apenas com base do que dizem os inimigos da Revolução Bolivariana. Não há contraponto.

do site: www.cartamaior.com.br