domingo, 25 de outubro de 2009

“Rejeito heróis com as mãos banhadas em sangue”

do site http://rsurgente.opsblog.org

Por Antonio de Oliveira (*)


Ouvi, assisti e li tudo. Demorei alguns dias tentando deglutir. Não consegui. A frieza do oficial da Brigada Militar dizendo que naquele dia tinha acontecido uma vitória da sociedade, de dois a zero, me deixou desajeitado. A primeira coisa que me veio à cabeça foi uma constatação: sou contribuinte e pago o salário dele.

Daí para a frente, logo me vieram inúmeras dúvidas, se a minha contribuição ao Estado estava sendo bem empregada naquele caso em que um oficial comemorava a morte de dois seres humanos. E o turbilhão de dúvidas aumentou. Ele falava em vitória da sociedade. Mas que vitória ? Mas que sociedade ?

O saltitante “repórter”, na imagem da TV, parecia comandar um show, gritava que o agente penitenciário que tinha assassinado os dois homens era o herói do dia, que merecia medalhas. Meteu, com sua pouca prática, o microfone no rosto do agente, quase aos gritos, reafirmando que ele era um herói. Mas o que aparecia na tela era um homem grande, forte, mas apequenado, imensamente constrangido. Perturbado por ter tirado a vida de duas pessoas.

- …sim, foi a primeira vez”, disse o herói num fio de voz.

Ele nem sabia o que responder diante da provocação do “repórter” que andava em volta, sem saber o que fazer para melhorar seu espetáculo, seu show. Só faltou reclamar dos atores por não estarem correspondendo em suas interpretações. Ele queria mais ação. Mais sangue. Ao bom estilo bandido bom é bandido morto, a câmera corria a toda hora, bem de vagar, sobre os cadáveres dos dois homens abatidos no meio da rua.

Ainda bem que um policial civil, assustado, foi ao microfone e fez uma correção, dizendo que aquilo tudo ali era um péssimo exemplo, que as pessoas não deveriam agir daquela maneira em caso de assalto, que o agente fizera aquilo por que era um homem preparado, com curso para condução de prisioneiros de alta periculosidade.

E na minha cabeça vieram mais indagações: mas que herói ? Dois corpos estendidos no chão era uma vitória da sociedade ? Definitivamente, não. No meu entender era uma irreparável derrota. Era a mostra cabal de uma sociedade derrotada como tal. Sem solução para os seus problemas.

A não ser que eu entenda que aqueles dois não faziam parte da sociedade e que aquele oficial também não faz parte, está acima, como guardião e juiz de quem deve ser morto para que outros vivam em paz na tal sociedade, que ele tem dentro da sua cabeça, da sua cachola.

Como integrante da sociedade, se é que me permitem, eu rejeito vitórias deste tipo, porque eu não consigo ser feliz assim. Não quero que ninguém morra para que eu esteja seguro. E também não quero matar ninguém. Ou então esta sociedade, como está, não me serve mais. Mas ai, eu estaria desistindo da humanidade e isto eu também me nego a fazer.

Sendo assim, o que me resta é apelar às representações da sociedade, aos políticos e aos governantes para que abram o olho. Vejam o que está acontecendo na frente dos seus narizes e tomem atitudes e apliquem melhor, em favor da sociedade, o que recolhem de impostos. E não quero que comparem com Nova Iorque, etc, etc. Quero que comparem com o Brasil, com Porto Alegre, de meio século atrás. Só. Lembrem de como vivíamos há 50 anos, criem vergonha na cara e vão trabalhar.

Parem de empurrar com a barriga. Assumam imediatamente a construção de um sistema educacional decente, que ponha todas as crianças na escola e que forme cidadãos e não bandidos. Mandem às favas esta gente que vive defendendo o Estado mínimo, pois eles são os primeiros a assaltar o Estado quando seus negócios vão mal. Formem uma polícia de verdade para defender todos os cidadãos, sem necessidade de andar matando por ai para virar herói. Repudiamos heróis feitos assim.

Acima de tudo, parem de roubar, de serem corruptos, e empreguem o dinheiro público para o bem público. E façam as emissoras de rádio e de televisão cumprirem a Constituição, como concessões que são, com programação para uma sociedade decente, equilibrada.

É hora de o Estado entrar em campo para garantir uma vitória verdadeira. E um recado final ao meu oficial: pare de defender a morte como vitória, como solução para os problemas que o senhor está despreparado para resolver. E quero lembrá-lo de que, no Morro dos Macacos, no Rio, no momento em que encerro este texto, a sociedade está obtendo uma vitória por 25 a 8. O senhor está feliz com isto ? Com esta vitória ? Pois eu não quero heróis com as mãos banhadas em sangue.

(*) Jornalista

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A irresponsabilidade da "elite" gaúcha

do blog: http://rsurgente.opsblog.org/

No dia seguinte à vitória de Germano Rigotto nas eleições de 2002, o jornal Zero Hora publicou um editorial saudando a derrota do governo Olívio Dutra (PT), que teria mergulhado o Estado em conflitos, e a vitória do candidato “pacificador” do PMDB. O mesmo discurso foi repetido por lideranças empresariais do Estado que apontavam o futuro governo Rigotto como uma oportunidade para a retomada de um clima de paz propício aos negócios. Esse discurso ignorava completamente o desempenho econômico do Estado no período do “governo de conflitos” (1999-2002).

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fundação de Economia e Estatística (FEE), entre 1999 e 2001, o PIB industrial gaúcho cresceu seis vezes mais que o do Brasil, governado então por Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O crescimento do Estado neste período foi de 11,7% contra 1,7% do país (e –4,7% no período entre 1995 e 1998, do governo Antônio Britto). No mesmo período, o PIB agropecuário gaúcho cresceu 23,8%, contra 16,9% do país e 4,3% do governo Britto.

Com a vitória da RBS e de seus agentes políticos “pacificadores”, foi retomada no Estado a cultura da “gestão modernizadora do Estado” que tinha no empresário Jorge Gerdau Johhanpeter e seu mítico PGQP (Programa Gaúcho da Qualidade e Produtividade) um de seus principais gurus. A era do PGQP atravessou o governo Rigotto, chegou ao governo Fogaça, em Porto Alegre, e prosseguiu no governo Yeda Crusius, combinado com o anunciado “novo jeito de governar”. Foi no governo Rigotto também, em 2003 para ser mais preciso, que, segundo o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, iniciou o esquema de fraude que acabaria desviando cerca de R$ 44 milhões do Detran. Um dos principais acusados de chefiar o esquema, o deputado federal José Otávio Germano (PP) era então o secretário da Segurança Pública, substituindo o “conflituoso” José Paulo Bisol.

No último domingo, o mesmo jornal Zero Hora publicou uma matéria tratando da queda do PIB gaúcho na última década e da perda de poder econômico do Estado no cenário nacional. No plano político então, a situação é ainda pior. O Rio Grande do Sul não só perdeu poder político como virou tema de chacota nacional, graças ao desastrado governo de Yeda Crusius. Um governo onde o partido da governadora que anunciou um “novo jeito de governar” chega ao seu terceiro ano contratando uma empresa para ajudar a “construir um modelo de governo”.

Os responsáveis pela decadência política e econômica do RS na última década procuram agora esconder sua responsabilidade pelo que está acontecendo, como se tudo não passasse de um acidente da natureza. Onde está o balanço da RBS sobre as posições políticas que abraçou na última década? E as fórmulas milagrosas do Sr. Gerdau (sempre ávido em conquistar “incentivos” fiscais), contribuíram no que mesmo para o desenvolvimento do Estado? E os padrinhos políticos de Yeda Crusius e seu grupo, por que se esforçam agora em não aparecer ao lado da governadora? Qual o balanço do senador Pedro Simon que selou seu apoio a Yeda com um carinhoso beijo na testa?

Silêncio. Silêncio é a resposta a todas essas questões. A chamada “elite” gaúcha revela-se absolutamente irresponsável. Literalmente irresponsável. Não responde por seus atos e por suas escolhas. E tenta continuar aparecendo como portadora da mensagem do progresso e da modernidade, apoiada em agentes políticos que elevaram a mediocridade e a covardia a alturas nunca dantes navegadas. É assim que está o Rio Grande do Sul neste início do século XXI.

sábado, 10 de outubro de 2009

A reação ao poder midiático


por Luiz Carlos Azenha - www.viomundo.com.br

Vou citar o ex-presidente da Bolívia Carlos Mesa, ex-empresário midiático naquele país, que fez críticas aos meios de comunicação em uma conferência em Caracas. Em entrevista à Folha de S. Paulo, ele disse:

FOLHA - O sr. criticou meios de comunicação que teriam passado a cumprir o papel de partidos políticos. Quais os riscos dessa tendência?

MESA - É urgente a construção de um sistema de médio prazo que não passa por ganhar eleições nem derrotar o governo de turno. É essa armadilha na qual caíram alguns partidos na Venezuela, na Bolívia e no Equador. Não há projeto, não há estrutura, não há nada. Isso é uma luta de reconstrução de longo prazo, que deve ser combinada com os meios de comunicação para que estes transfiram o espaço de atividade política aos políticos.

Como já escrevi neste blog anteriormente, entre o "senador" Ali Kamel e o senador José Sarney, fico com o senador Sarney. O senador Sarney foi eleito. O "senador" Kamel usa uma concessão pública para fazer política como se tivesse sido eleito.

Tenho participado de conferências preparatórias à Conferência Nacional de Comunicação, que acontece em dezembro.

Nelas, sempre defendo "mais mídia", nunca menos. Sou contra qualquer tipo de restrição à liberdade de imprensa e mesmo à liberdade de empresa dos donos de meios de comunicação. Luto pela democratização do acesso aos meios.

É preciso distinguir claramente entre jornais e revistas, de um lado, e emissoras de rádio e TV, de outro. Aos primeiros, liberdade absoluta. Mas, como qualquer concessionária de serviço público, a emissora de rádio ou TV deve obedecer a normas, assim como as concessionárias de outros serviços públicos, como distribuição de gás, de energia, etc.

Porque haveria de ser diferente com concessionárias de rádio e TV?

Essas normas devem ser determinadas pela sociedade. É assim nos Estados Unidos, é assim na Suécia, é assim no Reino Unido. No Brasil, não. Por que?

Porque os empresários do ramo, muitos dos quais são congressistas, defendem o latifúndio midiático com unhas e dentes. É preciso romper essa aliança entre poder político e poder midiático, pelo bem da democracia brasileira.

Como?

Exigindo regras claras para a concessão e a renovação de licenças para operar emissoras de rádio e de TV. Exigindo um papel institucional da sociedade civil na definição e no cumprimento das regras. Estabelecendo regras para a propriedade cruzada.

Também defendo que o dispêndio de dinheiro público em todas as esferas, com publicidade e propaganda, seja feito com transparência, controle social e obedecendo a critérios que estimulem a diversidade, o conteúdo local e regional e os novos produtores de conteúdo. Os critérios "de mercado", que vigem no Brasil, acabam apenas reforçando o controle de poucos sobre a grande maioria das verbas.

A prefeitura de São Paulo deve gastar toda a sua verba na Folha e na Globo ou deve gastar uma fatia estimulando as rádios, os jornais e os sites comunitários? Se houver critérios transparentes e controle social, prefiro a segunda opção.

Finalmente, é preciso estimular o campo público da comunicação, as rádios e TVs comunitárias e o acesso à internet. Essas três medidas contribuem com a diversidade informativa em uma sociedade complexa como a brasileira. E é disso que se trata: de ter uma mídia que contribua com a crítica, o debate e a informação necessárias ao país. Não uma mídia que interdite os debates que não interessam a ela, que criminalize os movimentos sociais ou que se coloque como instrumento de campanhas.

Novas leis regulamentando a atuação da mídia já foram aprovadas na Venezuela, Equador, Bolívia, Uruguai e Argentina. Cada uma delas foi resultado de uma conjuntura política distinta. O que há em comum entre esses países? Não, não é o bolivarianismo, esse demônio que pretendem transformar na versão ressuscitada do comunismo. Nesses países a mídia passou a fazer o papel de partido político, como reconheceu o próprio Carlos Mesa em entrevista à Folha.

No Brasil a mídia passou a pautar o Congresso. A derrubar presidentes e congressistas. A assassinar reputações impunemente. A julgar, condenar e executar. É nesse quadro de ativismo midiático e usurpação de poderes que as sociedades acima citadas reagiram: para colocar a mídia em seu lugar. Seria muito bom se a autoregulamentação bastasse. Caso contrário, a própria escolha do Congresso poderá ser influenciada pelo desejo da sociedade de "cassar" o mandato dos senadores biônicos, que exercem seu poder nos aquários das redações brasileiras.


domingo, 4 de outubro de 2009

Mercedes Sosa honrou a vida

do site http://rsurgente.opsblog.org/

Mercedes Sosa honrou a vida. A morte não a encontrou solitária, sem ter feito o que queria. Não foi indiferente à dor, à injustiça, à guerra nem à mentira. Nascida na Argentina, tornou-se cidadã da América Latina e do mundo. Militante comunista, foi obrigada a deixar seu país na década de 70, por uma das tantas ditaduras militares que infestaram nosso continente. Como costumava dizer, trazia o povo em sua voz.

Mercedes Sosa honrou a vida e a luta pela verdade. E a vida, como ela cantou, não é permanecer nem perdurar. Merecer a vida não é calar nem consentir com tantas injustiças repetidas. Honrar a vida é uma virtude, é dignidade, é a atitude de identidade mais definida. Merecer a vida é colocar-se de pé, para além do mal e das quedas. É dar boas vindas, sempre à verdade e à liberdade. A voz de Mercedes Sosa denunciou as maneiras de não ser, as consciências adormecidas e as vidas não vividas.

Merdedes Sosa honrou a vida e cantou seu povo. Cantou a unidade latinoamericana. Trazia a pele da América em sua pele. Carregava em seu coração todas as vozes, todas as mãos, todos os irmãos. Generosa e altiva, saiu a caminhar pelo sul e sua voz acabou ganhando o mundo. “Eu não escolhi cantar para as pessoas. A vida me escolheu para cantar”, disse em uma recente entrevista para a TV argentina. Ela agradeceu a vida e honrou essa escolha. Foi seu compromisso de toda a vida. E neste momento em que ela se despede do solo em que pisou, sua voz se espalha pelo vento e envolve o povo que ela tanto amava. La Negra viveu o que cantou e cantou o que viveu. Aceitou alegremente a escolha feita pela vida e entregou sua voz a ela. Engrandeceu e alargou a humanidade.